O Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina de 2016 foi esta segunda-feira entregue ao japonês Yoshinori Ohsumi. A Assembleia do Nobel do Instituto Karolinska, incumbida por vontade de Alfred Nobel de entregar o Prémio, decidiu atribuir o prémio pelas “descobertas sobre os mecanismos da autofagia”, o processo através do qual ocorre a degradação e reciclagem de componentes celulares.
Este ano, o Comité do Nobel decidiu laurear apenas um cientista (apesar do prémio poder ser atribuído a três pessoas), facto que deixou o próprio Ohsumi surpreendido: “Foi a minha verdadeira surpresa, porque há tantas pessoas a trabalhar na área da autofagia”.
O premiado é um investigador da Universidade de Tóquio, nascido em 1945. Uma infância marcada pela pobreza e pela privação, no pós-Segunda Guerra, Yoshinori viria a ter na fome um dos principais elementos de estudo. Segundo uma entrevista feita pelo “The Journal of Cell Biology”, o investigador contribuiu de forma decisiva para avanços na compreensão de como as células conseguem sobreviver em períodos de fome ou infeção.
O conceito da autofagia, aplicado neste âmbito, diz respeito a um processo celular que dá origem à degradação de componentes da própria célula. Segundo o comunicado da atribuição do prémio, o conceito surgiu na década de 1960, quando cientistas descobriram que as células conseguiam destruir os seus conteúdos encerrando-os em membranas.
O processo resultava na formação de uma espécie de sacos, que são transferidos para compartimentos chamados lisossomas, onde são consumidos. A própria descoberta da existência dos lisossomas garantiu o Prémio Nobel da Medicina ao cientista belga Christian de Duve, em 1974. Mas para os lisossomas poderem degradar os componentes celulares, estes precisavam de ser selecionados e entregues. Essa função é desempenhada pelos autofagossomas – as vesículas que apresentam os componentes a degradar.
Nos anos seguintes, anos 1970 e 1980, os avanços científicos foram feitos principalmente na área da degradação de proteínas em vesículas específicas para esse fim, os proteossomas – a descoberta da degradação de proteínas por mediação da ubiquitina garantiu o Prémio Nobel da Química 2004 a Aaron Ciechanover, Avram Hershko e Irwin Rose. Mas este mecanismo não explicava a degradação de conjuntos de proteínas mais complexos ou de outros componentes celulares.
Yoshinori Ohsumi também começou por estudar a degradação de proteínas, em 1988, usando leveduras (Saccharomyces cerevisae, usada na fermentação da cerveja, por exemplo) por serem um organismo fácil de manipular e um bom modelo do que acontece nas células humanas. No artigo científico publicado em 1992, o cientista demonstrou não só que a autofagia existia nas leveduras, como quais os genes envolvidos no processo.
A autofagia é uma resposta celular fundamental em caso de privação de alimento às células ou a outras situações de stress celular, mas não é a única função deste mecanismo. A capacidade de envolver numa vesícula e eliminar o conteúdo ajuda a combater bactérias e vírus que invadem a célula. Além disso, como tem a capacidade de degradar componentes celulares, os autofagossomas e lisossomas eliminam proteínas e organelos que estejam danificados e disponibilizam os “tijolos” que compõe estes compostos para que nova síntese seja realizada (reciclagem).
A importância da autofagia é tão importante para a regulação celular, que perturbações neste mecanismo, sobretudo com o envelhecimento, têm sido associadas a doenças como Parkinson, diabetes tipo 2 ou mesmo a alguns tipos de cancro.
O último Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina, em 2015, tinha sido atribuído a três investigadores por duas descobertas na área da parasitologia. Uma metade foi dividida entre William Campbell, investigador na Universidade de Drew (Estados Unidos) e Satoshi Ōmura, investigador no Universidade de Kitasato (Japão), pela descoberta de uma nova terapia contra os parasitas que causam elefantíase e oncocercose (também chamada cegueira do rio). A outra metade para Youyou Tu, pertence à Academia Chinesa de Medicina Tradicional (China), pelas descobertas em novas terapias contra a malária.
Yoshinori Ohsumi terminou o seu doutoramento na Universidade de Tóquio em 1974.
Após três anos na Universidade Rockefeller, em Nova Iorque, regressou à Universidade de Tóquio, onde estabeleceu a sua equipa de investigação, em 1988.
Desde 2009, é professor no Instituto de Tecnologia de Tóquio.
Ao longo da semana serão ainda conhecidos o Nobel da Física (na terça-feira), o da Química (quarta-feira), e o da Paz (sexta-feira).
O Nobel da Economia será anunciado no dia 10, e o da Literatura será atribuído a 13 de outubro.
Os prémios Nobel, criados em 1895 pelo químico, engenheiro e industrial sueco Alfred Nobel (inventor da dinamite), foram atribuídos pela primeira vez em 1901.
O prémio Nobel corresponde a uma recompensa de oito milhões de coroas suecas, o equivalente a cerca de 834.000 euros.
TPT com: Reuters// Tokyo Tech News//AFP//Vera Novais//Edgar Caetano//Observador// 4 de Outubro de 2016