Esta semana já são 18 os municípios de Moscovo e de São Petersburgo que subscreveram uma carta aberta a exigir que Vladimir Putin se demita, salientando que as “ações do presidente V.V. Putin prejudicam o futuro da Rússia e dos seus cidadãos”. A carta aberta surgiu pouco tempo depois da investida das tropas ucranianas que voltaram a reconquistar Kharkiv, mas há mais sinais de descontentamento em Moscovo.
Já esta terça-feira o líder do Partido Comunista russo, Gennady Zyuganov, um dos que defendeu a invasão à Ucrânia, questionou a passividade de Vladimir Putin, independentemente do bombardeamento em massa por parte das tropas russas em todas as linhas da frente ucraniana, depois das forças de Kiev terem recuperado “muito terreno” na contraofensiva.
“É uma guerra, não é apenas uma operação especial. É necessária uma mobilização geral. A guerra e as operações especiais são fundamentalmente diferentes. Podemos parar uma operação especial, mas não podemos parar a guerra, mesmo que queiramos. Isto só tem dois resultados: vitória ou derrota. Vencer em Donbass é uma questão da nossa sobrevivência histórica. Todos neste país devem avaliar realisticamente o que está a acontecer”, disse Zyuganov ao parlamento nesta terça-feira.
Os pedidos de mobilização geral não vêm apenas de fora do partido de Putin, a pressão também é interna. “Sem a mobilização total, a criação de bases militares, inclusive na economia, não alcançaremos os resultados pretendidos na Ucrânia. A sociedade deve estar o mais unida possível e pronta para a vitória”, disse Mikhail Sheremet, membro do partido de Putin, Rússia Unida, e vice-presidente da Duma, também nesta terça-feira.
Pressões externas e internas que fizeram o Kremlin responder, através de Dmitri Peskov, porta-voz de Putin. Sem meias medidas, este deixou sérios avisos a quem vá contra as ideias do governo russo. “Em relação aos pontos de vista críticos, desde que permaneçam dentro do atual panorama legal, não haverá problemas, mas essa linha é muito, muito ténue. É preciso ter muito cuidado, há caminhos que levam a crimes, prisão, etc”, salientou Dmitri Peskov, negando mesmo que esteja nos planos de Putin uma mobilização geral. “De momento não, está fora de questão”.
Ainda no que diz respeito à insatisfação demonstrada pelos 18 municípios de Moscovo e São Petersburgo, são já 54 os vereadores que pedem a destituição de Putin. “Atualmente temos 54 assinaturas. É um sucesso relativo. Lembro-me que no início da ofensiva recolhemos 200 assinaturas contra a guerra. O número foi reduzido, as pessoas estão com medo, mas é um bom número”, afirma Ksenia Torstrem, política de um distrito de São Petersburgo, responsável pela carta aberta do pedido de destituição de Putin que circula nas redes sociais.
Como vai reagir a Rússia a este avanço da Ucrânia? Dizem que a resposta é imprevisível
A Ucrânia reconquistou várias cidades e milhares de quilómetros quadrados das mãos russas nos últimos dias, uma reviravolta para a qual a resposta de Moscovo é imprevisível.
No final de agosto, a situação parecia estagnada. Mas desde então, o conflito mudou e a Ucrânia obteve importantes vitórias territoriais.
“Será como uma bola de neve, começará a rolar, rolar, rolar (…) E veremos o segundo maior exército do mundo recuar”, disse o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov, ao jornal francês Le Monde nesta segunda-feira.
Há semanas, os ucranianos anunciaram uma contraofensiva em Kherson, no sul, uma das primeiras cidades capturadas por Moscovo após o início da invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro. No entanto, a retirada mais importante das forças russas ocorreu a norte.
“O ataque a Kherson não foi apenas uma distração, mas também desempenhou esse papel”, comentou à AFP Alexandre Grinberg, do Instituto de Segurança e Estratégia de Jerusalém.
Após o anúncio, explica o especialista, muitas tropas russas deixaram a região de Kharkiv e Izyum, no norte, com o objetivo de reforçar a frente sul. Mas não conseguiram.
Analistas ocidentais acreditam que a Ucrânia quer atingir as linhas de abastecimento do seu inimigo. No sábado, as forças de Kiev anunciaram a recaptura de Kupiansk, um centro ferroviário estratégico no norte do país.
Os russos “dependem muito da malha ferroviária para transportar equipamentos pesados e munição de artilharia”, explicou o general aposentado norte-americano Ben Hodges, ex-comandante das forças da NATO na Europa.
Numa região com muitos rios, “basta destruir as pontes [para] cortar as cadeias logísticas”, confirma Alexandre Grinberg.
Em poucos dias, Kiev recuperou a eficácia que a caracterizou durante a primavera, quando as forças do Kremlin abandonaram o seu objetivo de tomar a capital para se concentrar no Donbass, a área de mineração no leste do país.
Móvel, com pequenas unidades autónomas e imbuído de patriotismo, o exército ucraniano têm desafiado consecutivamente as tropas russas, que têm uma hierarquia excessivamente piramidal e um Estado-Maior descrito como desconectado do terreno.
“A Rússia carece acima de tudo de força humana”, diz Alexander Khramchikhin, um especialista militar russo independente. “É incapaz de controlar grandes territórios e uma grande linha de frente”, acrescenta, apontando ainda para os “dados de inteligência dos EUA”, que ajudam Kiev.
Como resultado, os ucranianos obtiveram “o primeiro deslocamento de uma posição inimiga em campo aberto desde o início da guerra”, observa o coronel francês Michel Goya.
“Mesmo que tivesse falhado, o simples facto de poder organizar duas operações ofensivas simultâneas com 20 mil homens a uma distância de 700 km, contra russos que já não são capazes de fazê-lo, mostraria por si só que as curvas de capacidade se cruzaram”, acrescenta.
A história da guerra, no entanto, é cheia de reviravoltas.
A Rússia insiste que vai reagir. O porta-voz do ministério da Defesa, Igor Konashenkov, informou nesta segunda-feira sobre bombardeamentos em áreas recuperadas por Kiev no leste e o Kremlin garantiu que a sua ofensiva continuará “até que os objetivos sejam alcançados”.
Alexander Grinberg antecipa importantes movimentos russos, embora prefira não aventurar-se quanto à sua eficácia. “Será necessário ver se esta derrota, muito espetacular, mesmo que seja apenas tática, tem algum impacto na opinião pública” na Rússia.
O presidente russo, Vladimir Putin, “está muito limitado nas suas opções”, diz Ivan Klyszcz, investigador do Instituto de Política Externa de Tallinn, na Estónia. Mesmo uma derrota parcial seria impossível de justificar após mais de seis meses de esforços.
Negociar parece fora de questão. Mas a médio prazo, a aproximação do inverno pode mudar a situação.
“Moscovo está a depositar as suas esperanças no inverno e nos problemas socioeconómicos de Kiev”, conclui Alexander Khramchikhin.
TPT com: EPA//YURI KOCHETKOV//NBCNews//AFP//MadreMedia/Sapo24// 14 de Setembro de 2022