Lula da Silva deu ontem entrada na prisão em Curitiba, depois de horas de negociações e tensão que se arrastaram por dois dias. Começa assim o cumprimento da sua pena de 12 anos e um mês de prisão a que foi condenado no polémico caso do triplex do Guarujá.
O caso do apartamento da zona balnear de São Paulo, que terá sido dado como suborno pela construtora OAS, não é, no entanto, o único a correr na Justiça brasileira em que o ex-Presidente está acusado. Outros seis processos estão ainda a aguardar decisão na primeira instância, em que Lula está acusado de crimes comotráfico de influências, corrupção e lavagem de dinheiro. Num deles, o Ministério Público, contudo, pediu a absolvição do líder trabalhista.
Os dois processos da Operação Zelotes
No âmbito da Operação Zelotes, que investigou um alegado esquema de corrupção no Conselho de Administração de Recursos Fiscais do ministério das Finanças brasileiro, Lula foi constituído arguido em dois processos diferentes.
No primeiro, o ex-Presidente foi acusado em dezembro por 2016 de tráfico de influências, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Em causa, estará a ação de Lula e outros arguidos nas negociações para comprar caças Gripen da sueca Saab em nome do Estado brasileiro. Os crimes terão ocorrido entre 2013 e 2015, quando Lula teria tentado ter influência no Governo de Dilma Rousseff nessas negociações.
No outro, Lula está acusado desde setembro de 2017 por corrupção passiva em crimes alegadamente praticados ainda durante a sua presidência. O Ministério Público acusa Lula e o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, de ter recebido subornos no valor de seis milhões de reais (quase 1,5 mihões de euros) em troca de favorecimento às fabricantes de automóveis MMC e Caoa. “Diante de tal promessa, os agentes públicos, infringindo dever funcional, favoreceram às montadoras de veículo MMC e Caoa ao editarem, em celeridade e procedimento atípicos, a Medida Provisória n° 471, em 23/11/2009, exatamente nos termos encomendados”, diz um excerto da acusação.
As obras da Odebrecht em Angola
Noutro processo, Lula foi acusado em outubro de 2016 por organização criminosa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influências. Em causa estão suspeitas de ter canalizado fundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (banco público) para obras da Odebrecht em Angola. Primeiro como Presidente, entre 2008 e 2010; depois já fora do cargo, tentando influenciar a ação governativa a favor da Odebrecht.
Pelo meio, terá lavado dinheiro através da empresa Exergia Brasil, criada pelo seu sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos, também acusado.
O terreno do Instituto Lula
Corrupção passiva e lavagem de dinheiro pendem sobre Lula neste processo que volta a envolver a Odebrecht. Em causa estaria um suborno de 12,4 milhões de reais (quase 3 milhões de euros) prometido por Marcelo Odebrecht em forma de um terreno que seria oferecido para a construção do Instituto Lula. No mesmo processo, o ex-presidente está acusado desde dezembro de 2016 por lavagem de dinheiro relaciona-se com a aquisição de um apartamento em São Bernardo (São Paulo) em nome de Glaucos da Costamarques mas que alegadamente seria para usufruto de Lula.
O sítio de Atibaia
Mais um processo conduzido pelo juiz Sérgio Moro. Neste caso, há mais uma vez suspeitas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com Lula constituído arguido em agosto de 2017.
O Ministério Público afirma que a Petrobrás, a Odebrecht e a construtora OAS terão pago subornos a Lula atribuídos através de obras no valor de um milhão de reais (cerca de 250 mil euros) num imóvel em (São Paulo).
A obstrução à Justiça na Lava Jato
Por fim, Lula está acusado de obstrução à Justiça na Operação Lava Jato, num processo que remonta a julho de 2016. Em causa estão as ações do ex-sendor Delcídio do Amaral, que declarou ter sido ordenado por Lula para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, da Petrobrás.
Contudo, o Ministério Público acabou por pedir a absolvição do ex-Presidente neste processo. “O que se comprovou nos autos foi que não houve no caso uma orquestração geral para impedir que a Lava Jato avançasse na elucidação do mega esquema de corrupção por ela investigado. Foi uma atuação pessoal de Delcídio tentando salvar-se”, declarou o MP nas alegações finais do processo. Contudo, quase sete meses depois, ainda não foi conhecida a sentença.
Bloco de Esquerda diz que prisão de Lula é golpe da direita reacionária
A coordenadora do BE, Catarina Martins, afirmou hoje que a prisão do ex-Presidente do Brasil Lula da Silva “não é sobre corrupção”, considerando que está a acontecer “um golpe da direita reacionária, racista, fascista”.
“A prisão de Lula não tem nada a ver com luta contra a corrupção. Estaremos sempre na primeira linha na luta contra a corrupção, aqui e em qualquer outro lugar, mas a prisão de Lula não é sobre corrupção, porque sabemos que Temer é Presidente e, se quisermos lutar contra a corrupção, primeiramente fora Temer”, afirmou Catarina Martins, no Porto, num almoço comemorativo do 19.º aniversário do partido.
Segundo a bloquista, “a prisão de Lula não é também o julgamento da política do PT (Partidos dos Trabalhadores) e onde o PT falhou”.
“Estivemos e estamos com aqueles que condenaram o agronegócio que destrói a Amazónia e persegue os sem terra, estamos e estaremos contra os que lutaram contra o poder da banca ou das grandes construtoras, que são aqueles que estiveram na rua por transportes, por educação, contra a Copa”, sublinhou.
Para Catarina Martins, “não foi seguramente [o juiz federal] Sérgio Moro, não será Sérgio Moro a fazer a luta que o Brasil precisa”.
“Sabemos, por isso, que o que se está a passar no PT é um golpe contra a democracia, sabemos que é um golpe da direita reacionária, racista, fascista, a mesma que destituiu Dilma, que matou [a vereadora do Rio de Janeiro] Marielle e prende Lula. E aqui sabemos de que lado estamos, com todos aqueles que não desistem da democracia, a solidariedade à esquerda tem de ser sempre solidária”, concluiu.
Isolado em 15 m2. Como é a prisão de Lula
A cela onde Lula foi colocado, na sede da Polícia Federal de Curitiba, foi preparada nos últimos meses. Era até agora uma sala, com um beliche, onde ficavam os agentes deslocados em missão, mas a cama dupla foi substituída por uma individual, entre a parede que tem duas pequenas janelas com grades e a da casa-de-banho privada que tem no espaço de 15 metros quadrados (3 metros por 5 metros) onde o antigo presidente brasileiro ficou a partir desta sexta-feira.
A sala fica no quarto andar do Núcleo de Inteligência Policial, afastada do local dos outros presos no âmbito na operação Lava-Jato, como mostra a infografia publicada pelo Estadão. O edifício, na capital do estado do Paraná, foi inaugurado em 2007 durante a gestão de Lula da Silva como presidente do Brasil.
O ex-ministro António Palocci ou Renato Duque, ex-diretor da Petrobrás estão noutra ponta do mesmo complexo que também já recebeu figuras como o ex-ministro José Dirceu e o empresário Marcelo Odebrecht. Lula ficará no centro do edifício, dois pisos acima, e terá um agente policial à porta da sua cela 24 horas por dia, para garantir a sua própria segurança.
No despacho em que executou a ordem de prisão do antigo presidente e atual candidato à presidência do Brasil, Sérgio Moro explicou que “em razão da dignidade do cargo ocupado, foi previamente preparada uma sala reservada, espécie de Sala de Estado Maior, na própria Superintência da Polícia Federal, para o início do cumprimento da pena, e na qual o ex-Presidente ficará separado dos demais presos, sem qualquer risco para a integridade moral ou física”.
Assim, Lula não vai estar, pelo menos no início, em contacto com os outros presos. Terá duas horas diárias de acesso a uma zona exterior, mas isolado, e o mesmo vai acontecer no horário de visitas. Normalmente, as visitas acontecem às quartas-feiras, e a regra mantém-se igual para todos, embora as visitas de Lula não aconteçam no espaço comum aos outros presos.
TPT com: AFP//Rita Tavares//Observador// Cátia Bruno// Fernando Bizerra Jr.//EPA//Lusa// 8 de Abril de 2018