O governo anunciou ontem que chegou a acordo com os acionistas privados da TAP, passando a deter 72,5% do capital da companhia aérea, por 55 milhões de euros, não tendo sido necessário nacionalizar a transportadora. O Estado não quer mandar na empresa, mas já ficou decidido que o atual CEO, o brasileiro Antonoaldo Neves, sai no imediato.
“De forma a evitar o colapso da empresa, o governo optou por chegar a acordo por 55 milhões de euros”, referiu o ministro das Finanças, João Leão, numa conferência de imprensa conjunta com o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.
O Estado aumenta, assim, a participação na TAP dos atuais 50% para 72,5%, com a aquisição da participação de David Neeleman. O restante fica nas mãos de um acionista privado (Humberto Pedrosa, com 22,5%) e dos trabalhadores (5%).
A Atlantic Gateway passa, então, a ser controlada por apenas um dos acionistas que compunha o consórcio, o português Humberto Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro. O dono da companhia aérea Azul, David Neeleman, sai assim da estrutura acionista da TAP.
Processo com avanços e recuos
A concessão de um apoio do Estado à TAP tem estado em discussão desde que a atividade da companhia aérea ficou paralisada, por causa da pandemia, tendo sido acordado uma injeção de até 1.200 milhões de euros.
Na conferência de imprensa de ontem, João Leão começou por destacar o papel da TAP na economia portuguesa, lembrando o acordo com a União Europeia para um empréstimo à companhia aérea. Mas as condições não foram aceites pelos representantes dos acionistas privados, desbloqueando o auxílio de 1.200 milhões à TAP.
Pedro Nuno Santos lembrou também que esta não era a proposta original do Estado, mas não foi possível chegar a acordo com os acionistas privados para a injeção na transportadora. “Aquilo que quisemos desde o início era que os acionistas privados participassem no esforço de capitalização” da empresa: convertendo os créditos em capital. A isto juntava-se também o reforço do poder do Estado na companhia.
Estas condições não foram aceites, tendo o governo apresentado uma nova proposta aos acionistas privados. A segunda proposta foi também rejeitada, tendo sido necessário pagar 55 milhões para comprar direitos à Atlantic Gateway.
“É um cenário desafiante, mas que obviamente o país e a TAP superará”, disse Pedro Nuno Santos, não esquecendo as dúvidas dos portugueses sobre a necessidade de injetar tanto dinheiro na empresa. O ministro reafirmou que a companhia aérea é um dos maiores exportadores e que a sua insolvência seria danosa para a economia nacional. “Teria um impacto profundo e direto não só na economia, mas na vida dos portugueses”, explicou.
Estado vai contratar empresa para escolher CEO no mercado internacional
Nuno Santos diz que o governo vai subcontratar uma empresa para selecionar uma nova equipa para gerir a TAP. “Faremos um processo de seleção contratando uma empresa que tem no quadro da sua atividade procurar no mercado internacional uma equipa qualificada para gerir a TAP”, precisou o ministro. “A TAP precisa de uma gestão qualificada e a TAP terá uma gestão qualificada”, referiu ainda.
Questionado sobre que TAP o governo quer, o ministro das Infraestruturas disse que “o Estado não vai gerir a TAP”, indo procurar a melhor equipa no mercado internacional. “A TAP passará a ser uma empresa pública, controlada pelo Estado. O atual CEO [Antonoaldo Neves] deixará de exercer as suas funções”, sendo, rapidamente, indicado um novo líder para a companhia, até à chegada da equipa definitiva.
Não adiantando para já a solução transitória para a liderança da companhia, Pedro Nuno Santos admite que a nova equipa não chegue “nas próximas semanas”, mas garante que o atual CEO sai já.
“Ao dia de hoje não temos resposta a todas essas questões [sobre a nova equipa de gestão da TAP], sobre quando teremos uma nova equipa e quando é que essa equipa de transição assumirá funções”, começou por referir o ministro, para precisar, no entanto, que o atual presidente executivo da companhia aérea “terá de ser substituído”.o Oministro disse ainda que a permanência de Antonoaldo Neves na empresa “não faria sentido”, tendo em conta que o acordo hoje alcançado formaliza a saída do acionista responsável pela contratação do gestor, o empresário David Neeleman.
Questionado sobre se já há um nome para substituir Antonoaldo Neves, Pedro Nuno Santos referiu que o Governo já “iniciou o processo de reflexão”. Questionado também sobre se os restantes elementos da Comissão Executiva da TAP se manterão em funções, durante o período de transição e até que seja recrutada uma equipa qualificada e especializada, o ministro não avançou detalhes.
“Teremos uma solução transitória que será anunciada em momento próprio. Neste momento dizemos apenas que o CEO sai”, precisou.
Neeleman “foi importante”
Ainda assim, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, deixou hoje uma palavra de reconhecimento ao empresário David Neeleman, que deixa agora a estrutura acionista da TAP, e considerou que a sua entrada na empresa “foi importante”. “Isto é indesmentível: a entrada de David Neeleman para a TAP foi importante para a TAP e, portanto, não queria aqui ser injusto mesmo que tenha havido divergências, não quero ser injusto com um acionista que nós tivemos, que percebe bastante do setor, que teve sucesso em vários pontos do globo e que deu um contributo muito importante à TAP e isso, nem no dia de hoje, pode ser esquecido”, afirmou o ministro.
“Portugal hoje tem uma ligação aos Estados Unidos — a TAP tem uma ligação aos Estados Unidos — muito relevante e ela é simultânea com a entrada de David Neeleman na TAP”, acrescentou o ministro. O governante reconheceu que, apesar dos prejuízos apresentados nos últimos dois anos, a TAP renovou a sua frota, viajou para mais destinos e transportou mais passageiros.
“Depois nós podemos fazer um conjunto diferente de análises, eu faço as minhas, outras pessoas fazem outras. Nesta fase, fica aquilo que de verdadeiramente se conseguiu de mais importante nos últimos anos”, considerou Pedro Nuno Santos, referindo-se à análise da gestão privada da TAP.
Na segunda-feira David Neeleman garantiu o “empenho dos privados” no futuro da companhia, agradecendo “muito” o empréstimo de emergência do Estado português e afirmando aceitar a entrada imediata deste na Comissão Executiva da empresa.
“Apesar de não ter sido essa a nossa proposta, agradecemos muito o apoio do Estado português através de um empréstimo de emergência à TAP e aceitamos obviamente as medidas de controlo da utilização desse empréstimo”, afirmou Neeleman numa declaração escrita enviada à agência Lusa.
Após “meses de silêncio”, o empresário justificou esta tomada de posição com a necessidade de “rejeitar as declarações sobre o empenho dos privados no futuro da TAP”, garantindo que estes estão “disponíveis para aceitar a participação do Estado na Comissão Executiva imediatamente e mesmo antes de uma eventual capitalização do empréstimo”.
A Comissão Europeia aprovou em 10 de junho um “auxílio de emergência português” à companhia aérea TAP, um apoio estatal de até 1.200 milhões de euros para responder às “necessidades imediatas de liquidez” com condições predeterminadas para o seu reembolso.
Uma vez que a TAP já estava numa débil situação financeira antes da pandemia de covid-19, a empresa “não é elegível” para receber uma ajuda estatal ao abrigo das regras mais flexíveis de Bruxelas devido ao surto, que são destinadas a “empresas que de outra forma seriam viáveis”.
Interesse Público trava providência cautelar
Esta tarde tinha já sido anunciada uma resolução que reconhece o interesse público subjacente à operação de auxílio à TAP no valor de até 1.200 milhões de euros, no final de uma reunião do Conselho de Ministros.
“Na sequência de requerimento de providência cautelar apresentado no Supremo Tribunal Administrativo pela Associação Comercial do Porto – Câmara de Comércio e Indústria do Porto, pedindo a inibição de o Estado Português conceder ajuda financeira à TAP, o Conselho de Ministros aprovou uma resolução fundamentada que reconhece o excecional interesse público subjacente à operação de auxílio à empresa”, anunciou a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, numa conferência de imprensa, no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa.
“A resolução reconhece que existe grave prejuízo para o interesse público na inibição do ato administrativo que conceda ou autorize que se conceda ajuda financeira ao Grupo TAP ou à TAP, com as consequentes repercussões, de natureza económica e social, para o país”, acrescentou.
A ministra adiantou ainda que havia já um acordo de princípio entre o Estado e os acionistas da TAP.
RECORDE AQUI A RELAÇÃO DO GOVERNO COM A TAP DESDE O INÍCIO DA PANDEMIA
A concessão de um apoio do Estado à TAP tem estado em discussão desde que a atividade da companhia aérea ficou paralisada, por causa da pandemia, tendo sido acordado uma injeção de até 1.200 milhões de euros.
O Estado aumenta, assim, a participação na TAP dos atuais 50% para 72,5%. O empresário Humberto Pedrosa detém 22,5% e os trabalhadores os restantes 5%.
Esta é a cronologia dos principais acontecimentos:
março de 2020:
Com o encerramento de aeroportos e a paralisação do transporte aéreo, a TAP cancelou a maioria dos seus voos e colocou os trabalhadores em ‘lay-off’, aderindo às medidas de apoio às empresas lançadas pelo Governo para mitigar o impacto da pandemia.
16 de abril:
O presidente do Conselho de Administração (CA) da TAP, Miguel Frasquilho, deu conta de que a companhia aérea já tinha endereçado um pedido de auxílio ao Estado português, tendo expectativa de que pudesse ser conhecida uma resposta “muito em breve”.
Miguel Frasquilho, que falava no parlamento, referiu ainda que o apoio às operadoras aéreas acontece “em todos os países europeus”, tal como nos Estados Unidos.
Portanto, “essa é uma opção que tem também que estar em cima da mesa, saber se há capacidade e vontade de poder amparar, de poder auxiliar, no caso concreto a TAP”, prosseguiu, acrescentando que “em situações como esta percebe-se a importância que tem o Estado soberano e até a que tem de ter o Estado como acionista da empresa”.
18 de abril:
O empresário David Neeleman, acionista privado da transportadora, disse estar “totalmente disponível” para colaborar com o Governo numa solução para a TAP e assegurou que a companhia tinha propostas competitivas para se financiar e que o que precisava era de “uma garantia estatal”.
Em declarações à comunicação social, David Neeleman (na foto, à direita), que com o empresário Humberto Pedrosa (na foto, à esquerda), detém o consórcio Atlantic Gateway – dono de 45% do capital da empresa – referiu que, no contexto das restrições, entretanto impostas pela pandemia, “imediatamente” a TAP contactou “investidores europeus e de outras geografias no sentido de obter suporte financeiro adicional” para encarar os efeitos negativos desta crise e que, “de modo geral, os investidores mantêm o interesse em financiar a companhia aérea, tendo apresentado propostas de financiamento bastante interessantes e competitivas, com garantia do Estado”.
“Entre os diversos mecanismos disponíveis de apoio de Estado, a emissão de uma dívida garantida é o que vem sendo adotado com mais frequência pelos nossos concorrentes por ter uma série de vantagens, entre elas o tempo de execução que nesse momento é crucial para a TAP”, assegurou.
22 de abril:
A TAP pediu garantias ao Estado para duas possíveis operações de financiamento, por parte do Haitong e do ICBC Spain, para um total de 350 milhões de euros, segundo uma carta a que a Lusa teve acesso.
Na missiva a TAP fez vários pedidos, tendo em conta a situação resultante da pandemia de covid-19.
“A TAP solicitou no passado dia 19 de março à Parpública [que detém participações empresariais do Estado] a prestação de garantia no âmbito de duas possíveis operações de financiamento, conforme propostas recebidas respetivamente do Haitong Bank e do ICBC Spain – Industrial and Commercial Bank of China”, de acordo com a carta.
1 de maio:
A empresa pública Parpública, que detém 50% da companhia aérea, adiantou, no seu relatório e contas, que o Governo estava a analisar a eventual concessão de apoios públicos à TAP, para assegurar a sua continuidade.
No relatório referente a 2019 há referências a eventos que já ocorreram em 2020, mas que “merecem referência no presente contexto”, destacando a situação da TAP e referindo-se aos apoios públicos que estão a ser analisados pelo Governo.
“Relativamente aos impactos sobre a TAP da atual pandemia de covid-19, dada a importância estratégica da companhia para o país, está em curso uma análise integrada por parte do Governo, tendo em vista definir os termos de uma eventual concessão de apoios públicos à TAP, de modo a salvaguardar a sua continuidade”, lê-se no relatório.
Assim, explicou a Parpública, os apoios à TAP podem assumir “a forma de diferimento do pagamento de impostos e encargos, subsídios e subvenções, financiamento de terceiros com garantias de Estado, financiamento direto do Estado, isenção de taxas aeroportuárias, etc.”.
7 de maio:
O primeiro-ministro assegurou que só haverá apoio à TAP com “mais controlo e uma relação de poderes adequada”, mas garantiu que a transportadora aérea continuará a “voar com as cores de Portugal”.
“O Estado não meterá – nem sob a forma de forma de garantia, injeção de capital ou empréstimo – um cêntimo que seja na TAP sem que isso signifique mais controlo e uma relação de poderes adequada a esse apoio que vier a conceder”, assegurou António Costa.
“Haja o que houver, a TAP continuará a voar com as cores de Portugal e continuará a cumprir missões absolutamente essenciais como assegurar a continuidade territorial, a relação com a nossa diáspora e os serviços de interesse público que presta no continente e na ligação com as duas regiões autónomas”, assegurou, respondendo a críticas sobre a concentração de atividade da TAP em Lisboa.
8 de maio:
O então ministro de Estado e das Finanças, Mário Centeno, afirmou que o valor a injetar na TAP dependeria “da ambição com que toda a intervenção venha a ser desenhada”.
Questionado, em entrevista à RTP, se o valor de que a companhia aérea portuguesa necessita rondaria os 500 milhões de euros, Mário Centeno afirmou desconhecer, adiantando que não há “sequer muita clareza sobre o faseamento dessas necessidades, que são, obviamente, importantes acautelar”.
“A responsabilidade com que o Governo tratou todas estas questões vai manter-se”, garantiu o ministro, acrescentando que “o dinheiro dos contribuintes é algo inviolável e vai, obviamente, ser levado em conta”.
12 de maio:
Mário Centeno defendeu que uma injeção repartida entre o acionista privado e o Estado seria “a forma mais tranquila de conversar” sobre uma capitalização da TAP.
Questionado, em entrevista à TSF, se uma injeção igual entre o acionista privado da TAP e o Estado seria o caminho mais adequado para a empresa, Mário Centeno respondeu que “essa seria seguramente a forma mais tranquila de conversar a respeito de uma empresa que é detida pelas duas partes”.
“Se o Estado tiver de ser chamado com responsabilidades financeiras acrescidas, tem que haver um entendimento estratégico e do percurso que a empresa fará com esse dinheiro e com o recurso a esse dinheiro que tem de envolver o Estado”, afirmou.
13 de maio:
O secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, revelou que o Governo esperava ter uma decisão sobre a injeção de dinheiro na TAP em meados de junho, pedindo que haja uma melhor “fundamentação técnica” do pedido de auxílio da empresa ao Estado.
“Estando este trabalho previsivelmente concluído no final de maio, depois esperamos, falando com a Comissão Europeia (CE), ter uma decisão prática de injeção de dinheiro, mediante condições que vão ser estabelecidas deste processo negocial, em meados de junho”, disse Álvaro Novo em audição no parlamento.
Referiu que “o pedido de auxílio tem de partir da administração da TAP”, acrescentando que o executivo já recebeu um pedido inicial que versava sobre “várias matérias”, uma das quais a “garantia [pública] a um empréstimo que a TAP pretende obter”, no valor de 350 milhões de euros.
19 de maio:
O ministro das Infraestruturas e da Habitação garantiu que o Estado iria partir para uma negociação com a TAP e que não se podia excluir qualquer cenário para a companhia aérea, inclusivamente a insolvência.
“O Estado português vai partir para uma negociação e não podemos excluir nenhum cenário, inclusivamente o da própria insolvência da empresa, porque obviamente o Estado não pode estar capturado, algemado numa negociação com privados”, defendeu Pedro Nuno Santos, numa comissão parlamentar.
O governante disse também que é preciso, em primeiro lugar, clarificar com o acionista privado qual é a sua disponibilidade para acompanhar a intervenção pública, questão à qual, segundo o ministro, a TAP ainda não respondeu.
Pedro Nuno Santos(na foto), apontou ainda que a dívida financeira líquida da TAP é de mil milhões de euros, mas juntando os contratos de ‘leasing’ de aviões o valor ascende a 3,3 mil milhões de euros.
“Estamos a falar de uma dívida brutal”, considerou.
“Precisamos, no momento zero, de fazer uma intervenção de emergência que garanta a liquidez da empresa”, acrescentou o governante.
25 de maio:
A TAP publicou o seu plano de voo para os dois meses seguintes que implica 27 ligações semanais em junho e 247 em julho, sendo a maioria de Lisboa.
A falta de rotas para os outros aeroportos nacionais levou a protestos generalizados de vários autarcas, sobretudo no norte do país.
3 de junho:
O primeiro-ministro revelou que o Governo estava em “consultas prévias” com a Direção-Geral da Concorrência da União Europeia para formalizar “em breve” as medidas de apoio do Estado à TAP.
António Costa respondia a perguntas do deputado do Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) José Luís Ferreira, que fez duras críticas à TAP, na abertura do debate quinzenal no parlamento, por ter definido a reabertura de rotas após o confinamento sem ter em conta “o interesse público”.
4 de junho:
A CE confirmou estar “em contacto” com o Governo português sobre possíveis ajudas estatais à companhia aérea de bandeira TAP, dado o impacto da crise gerada pela covid-19 na transportadora, como afirmou porta-voz oficial do executivo comunitário em resposta escrita à agência Lusa.
9 de junho:
O Governo anunciou que esperava uma decisão da CE sobre a ajuda a dar à TAP, no âmbito da pandemia de covid-19, ainda esta semana, tendo já definido um apoio máximo de 1.200 milhões de euros no orçamento suplementar.
“Fizemos o pedido de auxílio de Estado à Comissão Europeia e neste momento aguardamos a decisão, que deverá ocorrer ainda esta semana”, declarou o secretário de Estado do Tesouro, Álvaro Novo, adiantando que o Governo introduziu no orçamento a previsão de um “montante máximo de 1.200 milhões de euros”, valor “decomposto em duas componentes”.
Álvaro Novo (na foto), referiu que uma das componentes corresponde a um cenário base, que “previsivelmente” irá acontecer, mas o Governo acautelou uma “percentagem adicional” para a companhia aérea, que “possa fazer face à incerteza”.
10 de junho:
A CE aprovou um “auxílio de emergência português” à companhia aérea, um apoio estatal de 1,2 mil milhões de euros para responder às “necessidades imediatas de liquidez” com condições predeterminadas para o seu reembolso, anunciou o executivo comunitário, notando que a medida visa dotar a transportadora de bandeira “dos recursos necessários para fazer face às suas necessidades imediatas de liquidez, sem distorcer indevidamente a concorrência no mercado único”.
Porém, uma vez que a TAP já estava numa débil situação financeira antes da pandemia de covid-19, a empresa “não é elegível” para receber uma ajuda estatal ao abrigo das regras mais flexíveis de Bruxelas devido ao surto, que são destinadas a “empresas que de outra forma seriam viáveis”.
Pedro Nuno Santos (na foto), referiu que a TAP pode ter atualmente uma dimensão superior àquela de que vai necessitar nos próximos anos, sendo esta uma das condições da Comissão Europeia para aprovar apoio.
“Nós podemos ter neste momento uma empresa com uma dimensão superior àquela que são as necessidades nos próximos anos. Isto é uma condição da Comissão Europeia”, disse o ministro das Infraestruturas e da Habitação.
16 de junho:
O secretário de Estado do Tesouro pediu que a TAP apresente um plano estratégico “com celeridade”, e salientou que o próximo verão será importante para ter perspetivas sobre o futuro.
“O Estado preparou a notificação [à Comissão Europeia] em tempo recorde, em cerca de três semanas. Compete agora à empresa apresentar o seu plano estratégico com celeridade”, disse Miguel Cruz, ouvido, juntamente com a restante equipa governativa das Finanças, pela Comissão de Orçamento e Finanças, no âmbito do Orçamento do Estado Suplementar.
Miguel Cruz (na foto), assinalou que o plano estratégico deve ser feito “numa perspetiva mais detalhada sobre o setor, para o que este próximo verão será necessariamente importante”, para obter “alguma informação adicional e alguma perspetiva sobre como as coisas podem evoluir”.
“O valor do auxílio de Estado à TAP está alinhado, e em muitos casos está abaixo, do que foi praticado por outros governos e por outras companhias aéreas”, acrescentou, precisando o montante base em 946 milhões de euros, que podem ascender a 1.200 milhões “tendo em conta a incerteza que está associada a um conjunto de variáveis, particularmente a algumas de natureza operacional”.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) advertiu, neste mesmo dia, que “existem vários fatores de risco” na proposta de Orçamento Suplementar do Governo, entre os quais as transferências e injeções previstas para a TAP e Novo Banco.
No caso da companhia aérea, “946 milhões de euros refletem o empréstimo a conceder à TAP que não se encontrava previsto no âmbito do OE2020 aprovado. No entanto, esta operação em contabilidade pública está orçamentada em ativos financeiros por um montante superior, de 1.200 milhões de euros o que indicia um forte risco ascendente sobre esta despesa”, de acordo com a UTAO.
17 de junho:
O novo ministro de Estado e das Finanças, João Leão, admitiu que o Estado poderá assumir uma posição acionista na TAP no âmbito de uma possível conversão de capital em ações, depois do programa de auxílio estatal à companhia.
“Uma vez terminado esse auxílio de emergência, segue-se o programa de reestruturação, e aí a TAP tentará encontrar novo capital e fazer um programa de reestruturação. Nesse quadro do programa de reestruturação, pode estar também em equação a conversão de parte do empréstimo do Estado em capital, e nesse caso o Estado também ficaria como acionista da TAP”, disse João Leão no debate sobre o orçamento suplementar.
20 de junho:
A Associação Comercial do Porto interpôs uma providência cautelar junto do Supremo Tribunal Administrativo, que foi admitida liminarmente, para impedir a injeção de 1,2 mil milhões de euros do Estado na TAP.
Os fundamentos jurídicos da providência cautelar “assentam em três argumentos essenciais”, entre os quais o “desrespeito pelo princípio do equilíbrio territorial”, uma vez que o plano de voos da TAP “concentra 96% dos voos internacionais no aeroporto” Humberto Delgado, em Lisboa, “marginalizando o aeroporto do Porto [Francisco Sá Carneiro] e ignorando os demais”.
23 de junho:
O presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, admitiu que a Comissão Executiva da transportadora estava disponível para aceitar um membro indicado pelo Estado, que atualmente só está presente no Conselho de Administração, durante uma audição na Assembleia da República.
O responsável sublinhou não ver “qualquer problema” que o Estado, enquanto acionista da TAP, esteja também representado na Comissão Executiva, considerando até uma opção “produtiva”.
Na mesma audição, o presidente executivo da TAP admitiu ser “óbvio” que a transportadora não tem condições para pagar o empréstimo que vai receber de até 1.200 milhões de euros e quer apresentar o plano de reestruturação em três meses.
“O importante agora é não deixar os seis meses passarem para fazer esse plano. […] Não podemos ficar na situação de ter uma arma nuclear na cabeça quando for para negociar com a Comissão Europeia”, acrescentou.
Antonoaldo Neves disse não esperar “nada menos do que uma Comissão Europeia extremamente dura” nas contrapartidas exigidas à companhia aérea pelo auxílio que vai receber de até 1.200 milhões de euros.
Considerou mesmo “injusta” a decisão da CE de não permitir que a TAP recorra ao mecanismo especial de apoio às companhias aéreas, no contexto da pandemia de covid-19, por considerar que a transportadora que lidera estava já com problemas antes do surto.
O secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz (na foto), disse, no mesmo dia, no parlamento, que o valor máximo de 1.200 milhões de euros previsto para o auxílio de Estado à TAP foi inferior ao que a companhia aérea pretendia.
“Vale a pena recordar que a TAP formalizou, no dia 01 de junho, um pedido de auxílio de Estado ao qual atribuiu um elevado sentido de urgência. O Estado trabalhou no sentido de escrutinar o valor constante desse pedido, tendo concluído por um valor menor”, revelou.
24 de junho:
O presidente do Conselho de Administração da TAP, Miguel Frasquilho, adiantou que o Estado foi “muito para além do normal” na insistência com a Comissão Europeia para evitar a restruturação da companhia aérea.
“Pelo que sei pelo Governo e pelo grupo de trabalho, foi-se muito para além do normal na insistência com a Comissão Europeia”, afirmou Miguel Frasquilho, numa audição na Assembleia da República.
O gestor considerou, no entanto, que, “olhando friamente para os números da TAP”, não é surpreendente que o grupo TAP tenha sido considerado pela Comissão Europeia como uma empresa em dificuldades já no final de 2019.
Miguel Frasquilho (na foto), disse também preferir um reforço dos poderes do Conselho de Administração na estrutura na empresa, em vez da presença de um membro indicado pelo Estado na Comissão Executiva.
25 de junho:
Pedro Nuno Santos indicou que o plano de auxílio à TAP foi uma imposição da CE e que o Governo português defendeu o “recurso ao quadro temporário” da pandemia de covid-19.
“[Este plano] foi o único que foi aceite [pela Comissão Europeia]. Não fomos nós que o propusemos, foi a CE que o impôs”, sublinhou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, em entrevista ao ‘podcast’ “Política com Palavra”, do Partido Socialista.
Em causa estavam as dificuldades económicas que a companhia aérea já enfrentava e que levaram a que Bruxelas impusesse um plano de reestruturação.
Durante a entrevista, o ministro considerou que “o atual CEO [Antonoaldo Neves] da TAP valoriza em demasia a briga”, acrescentando que não acredita “que seja preciso brigar” com Bruxelas, mas “é preciso trabalhar”.
Pedro Nuno Santos (na foto), disse ainda que lhe faz “muita confusão que o CEO de uma empresa que está de mão estendida ache que se possa relacionar com o Estado” desta maneira.
“Como se nos estivessem a fazer um favor”, criticou o governante.
A Comissão Europeia confirmou por sua vez, no mesmo dia, que a ajuda estatal de Portugal à TAP, ao abrigo de apoios comunitários à reestruturação, era a única que a transportadora aérea poderia beneficiar, dado ter dificuldades financeiras anteriores à pandemia de covid-19.
A porta-voz para a área da Concorrência, Arianna Podesta(na foto) explicou que “cabe aos Estados-membros notificar a Comissão sobre medidas que envolvam ajudas estatais e também determinar as suas bases jurídicas”.
No caso da companhia aérea portuguesa, “no dia 09 de junho, Portugal notificou a Comissão sobre a sua intenção de avançar com um empréstimo de urgência de 1,2 mil milhões de euros à TAP, no âmbito das orientações relativas a apoios de emergência e à reestruturação”, recordou a responsável.
Porém, “como a TAP já estava em dificuldades financeiras antes da pandemia de covid-19, ou seja, antes de 31 de dezembro de 2019, não era elegível para receber apoio no âmbito do enquadramento temporário para ajudas estatais, [pelo que] a Comissão analisou a medida à luz das orientações relativas a apoios de emergência e reestruturação, em conformidade com a notificação apresentada por Portugal”, reforçou Arianna Podesta.
27 de junho:
O Supremo Tribunal Administrativo autorizou o Governo a avançar com a injeção de capital à TAP, se demonstrar que o adiamento da ajuda “seria gravemente prejudicial para o interesse público”, informou a companhia aérea.
A decisão, divulgada em comunicado da TAP publicado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), surge no âmbito de uma providência cautelar interposta pela ACP para impedir a injeção de 1,2 mil milhões de euros do Estado na companhia.
29 de junho:
David Neeleman garantiu o “empenho dos privados” no futuro da companhia, agradecendo “muito” o empréstimo de emergência do Estado português e afirmando aceitar a entrada imediata deste na Comissão Executiva da empresa.
“Apesar de não ter sido essa a nossa proposta, agradecemos muito o apoio do Estado português através de um empréstimo de emergência à TAP e aceitamos obviamente as medidas de controlo da utilização desse empréstimo”, afirmou Neeleman numa declaração escrita enviada à agência Lusa.
Após “meses de silêncio”, o empresário justificou esta tomada de posição com a necessidade de “rejeitar as declarações sobre o empenho dos privados no futuro da TAP”, garantindo que estes estão “disponíveis para aceitar a participação do Estado na Comissão Executiva imediatamente e mesmo antes de uma eventual capitalização do empréstimo”.
“Estamos também disponíveis para capitalizar os nossos créditos na companhia no momento da aprovação do plano de reestruturação que será negociado com a Comissão Europeia”, acrescentou.
“No entanto, e porque há limites, não posso deixar de rejeitar as declarações sobre o empenho dos privados no futuro da TAP”, sustentou.
30 de junho:
A TAP anunciou no primeiro trimestre do ano prejuízos de 395 milhões de euros, relacionados com os impactos da pandemia de covid-19.
O ministro das Infraestruturas deu conta que a proposta do Estado com as condições para um empréstimo de até 1.200 milhões de euros à TAP foi chumbada pelo Conselho de Administração, e admitiu “uma intervenção mais assertiva na empresa”.
De acordo com o governante, a proposta de contrato para o empréstimo vai ainda ser submetida ao sócio privado, a Atlantic Gateway, dos empresários David Neeleman e Humberto Pedrosa, cujos representantes se abstiveram na votação no Conselho de Administração.
Nessa reunião do Conselho de Administração, órgão liderado por Miguel Frasquilho (na foto), a proposta do Estado teve “os votos a favor dos administradores do Estado e as abstenções do privado, o que resultou no seu chumbo”, adiantou o governante.
Para ser aprovada, a proposta teria de ter maioria qualificada no Conselho de Administração, composto por 12 elementos – seis do Estado e seis do privado.
Nuno Santos (na foto), disse ainda que se os privados não aceitarem as condições do Estado para um empréstimo de até 1.200 milhões de euros, a TAP terá de ser nacionalizada.
“Se o privado não aceitar as condições do Estado português, nós teremos de intervencionar a empresa, nacionalizar a empresa, sim, ou quer que nós deixemos a empresa cair?”, respondeu perante os deputados da comissão parlamentar de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação.
1 de julho:
O primeiro-ministro afirmou esperar que ainda durante o dia houvesse uma solução para a TAP, por acordo com os acionistas privados da companhia aérea, e não imposta pelo Estado.
“Estou certo de que, se não hoje [01 de julho], no limite, nos próximos dias, teremos uma solução final. Mas, se tivesse de apostar, eu diria que hoje será o dia da solução para a TAP, e espero que negociada e por acordo com os nossos sócios privados, e não propriamente com um ato de imposição do Estado”, declarou, acrescentando: “Se for necessário, cá estaremos para isso. Espero que não seja necessário”.
2 de julho:
O Governo aprova, em Conselho de Ministros, uma resolução que reconhece o interesse público subjacente à operação de auxílio à TAP no valor de até 1.200 milhões de euros.
O Governo anuncia que chegou a acordo com os acionistas privados da TAP, passando a deter 72,5% do capital da companhia aérea, por 55 milhões de euros. O Estado aumenta, assim, a participação na TAP dos atuais 50% para 72,5%.
UM OLHAR PELO PASSADO DA TAP E UMA PERGUNTA PARA O FUTURO
Como em muitas outras matérias, importa olhar para além do curto prazo. Poucos meses antes do fim da II guerra mundial, em março de 1945, o estado português decidiu criar uma companhia de bandeira, os Transportes Aéreos Portugueses, sobre o impulso do general Humberto Delgado. Então, as ditas ligações comerciais eram exclusivamente politicas: Lisboa-Madrid e, claro, as “imperiais” Lisboa-Luanda e Lisboa-Lourenço Marques. Na década de 1950, a TAP passou a SARL, abriu-se ao investimento privado “controlado” (António de Medeiros e Almeida, Grupo CUF…), com o estado a manter a maioria do capital. Para o governo de então, e na sua perspetiva do que era o interesse público, a estratégia resultou. Durante a década de 1960, numa altura crítica e paradoxal, a TAP manteve a ligação entre Portugal e os seus então territórios africanos, e afirmou-se como uma companhia de referência, com uma frota moderna e créditos firmados na área da manutenção.
A chegada da democracia, em 1974, abriu novas perspetivas: importava que a TAP continuasse a ser uma companhia de bandeira, mas era desejável que se tornasse menos dependente do estado. Mas veio a acontecer precisamente o inverso. Em abril de 1975, a TAP foi nacionalizada, e o seu capital passou a ser integralmente público. Nos 40 anos seguintes, os sucessivos governos andaram por entre avanços e recuos à procura do rumo certo para a empresa, o que não deixou de ser irónico numa companhia de navegação aérea. Entretanto, a TAP engordou e padeceu de várias doenças crónicas: gestão politizada; coexistência injusta entre filhos e enteados (os detentores de todos os “direitos adquiridos”, e aqueles condenados à precaridade perpétua) e uma estratégia oscilante, hesitante entre assumir-se como uma verdadeira companhia de bandeira, ou portar-se como uma mera “low-cost”, isto por entre várias injeções de capital público e inúmeros planos de restruturação.
Os primeiros anos do século XXI trouxeram o brasileiro Fernando Pinto mas não a bonança, e expuseram à evidência as dificuldades de impor uma gestão profissional numa empresa fortemente politizada. Os resultados positivos não se tornaram uma realidade consolidada, e os anos da crise financeira e da troika, precipitaram a TAP para um beco sem saída. Sem possibilidade de injetar mais dinheiro na empresa, o governo Passos Coelho/Paulo Portas voltou a procurar um novo comprador para a participação do estado (como tinha acontecido na década de 1990). Mas tal não foi tarefa fácil. Até 2015, apareceu apenas um interessado, o aventureiro Germán Efromovich, a quem o governo teve o bom senso de não vender. Por fim, em junho de 2015, o governo Passos/Paulo Portas assinou a venda de 61% da TAP a David Neeleman e Humberto Pedrosa (Atlantic Gateway), com o estado a manter uma posição de 34% por 2 anos. Foi uma decisão esdrúxula e tomada já em desespero, bem revertida pelo primeiro governo de António Costa, logo em novembro de 2015, quando o estado reassumiu 50% do capital da empresa.
Mas parecia evidente que o equilíbrio alcançado não poderia ser mantido. A Atlantic Gateway não tinha qualquer interesse em perder o controlo da TAP e, simultaneamente, conservar 45% do seu capital. O caso tinha fatalmente que acabar em divórcio, processo que ameaçava ser longo e litigioso. In extremis, acabou por imperar algum bom senso. Afinal, o estado não vai nacionalizar, mas assume 72,5% do capital da TAP, conta que, fatalmente, será paga por todos os contribuintes.
O passado confirma a dificuldade de salvaguardar o interesse público numa empresa com uma estrutura pesada e politizada, que opera num setor altamente concorrencial, volátil e atomizado. Com a solução alcançada ontem, a TAP ficou mais estável, mas os seus horizontes continuam carregados. Fechada esta difícil etapa, será que o governo tem uma ideia clara sobre o futuro da empresa? Se a tem, seria útil que a procurasse explicar.
TPT com: AFP//JM/TPT//Pedro Nunes Santos/MadreMedia/N.N.//Mário Cruz//Lusa//Lourenço Pereira Coutinho/Expresso//Kenzo Tribouillard/AFP//EN// 2 de Julho de 2020