O ex-Presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso disse hoje que a atual crise política no Brasil está a paralisar o país e vai continuar avançar, deixando um cenário em aberto, com a possibilidade de afastamento de Dilma Rousseff do poder.
“Eu penso que a crise chegou a um ponto tal que ela vai avançar, ela vai continuar e eu não exatamente sei qual vai ser a definição, mas nós estamos paralisados”, declarou o ex-Presidente, à margem da conferência “The Unknown — One Hundred Years From Now”, na Fundação Champalimaud, que decorre entre hoje e sábado, em Lisboa.
Segundo o ex-chefe de Estado brasileiro, que governou entre 1995 e 2003, “num país como o Brasil, qualquer país que tenha 200 milhões de habitantes e que chegou a um certo grau de informação e de desejo de futuro, não vai ficar parado, vai ter que agir”.
“Eu já disse antes de sair (do Brasil para Portugal) que se a Presidente Dilma antecipasse o que ia acontecer, ela mesmo poderia conduzir o processo, até mesmo pedindo (apresentando) a sua renúncia, condicionando a renúncia a que houvesse mudanças institucionais importantes. Para isso é preciso ter grandeza”, sublinhou.
“Se ela (Dilma Rousseff) não fizer isso, vai acontecer o que está acontecendo, as pessoas que querem mudar vão tentar o ‘impeachment’ (impugnação) e é possível até que isso ocorra”, acrescentou.
O Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, Eduardo Cunha, aceitou na quarta-feira o pedido de impugnação do mandato de Dilma Rousseff, protocolado na Casa Legislativa em 14 de outubro por juristas.
O pedido de ‘impeachment’ sustenta que o Governo cometeu irregularidades fiscais no atual mandato, iniciado em janeiro deste ano, ao contrário de solicitações anteriores, que não foram acolhidas por levarem em conta somente questões relacionadas com a Presidência terminada em 2014.
Fernando Henrique Cardoso disse que vai acompanhar o debate na câmara dos deputados durante o processo de afastamento da Presidente brasileira.
“Os advogados que propuseram o ‘impeachment’ são competentes. Eles propuseram (o afastamento) a partir do quê? Da Presidente não ter obedecido à lei de responsabilidade fiscal. Isso é grave, agora, não é suficiente, é preciso que haja também vontade política” avaliou.
De acordo com o ex-chefe de Estado, “o ‘impeachment’ não é só um processo jurídico, é um processo também político e este está em marcha, vamos ver o que vai acontecer daqui por diante”.
“Acabo de saber que houve a demissão de um ministro do PMDB. Se estas coisas acontecem em cadeia, como é que ela (Dilma Rousseff) governa?”, questionou.
O ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (Partido do Movimento Democrático Brasileiro/PMDB, da base aliada de Dilma Rousseff) entregou hoje a sua carta de demissão, referindo que a sua saída é irrevogável.
Padilha é o primeiro aliado do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), que deixa o Governo de Dilma Rousseff após a abertura do processo de afastamento da Presidente.
Na conferência “The Unknown — One Hundred Years From Now”, na Fundação Champalimaud, Fernando Henrique Cardoso falou sobre os grandes desafios para o futuro, referindo que as pessoas comuns serão os “personagens principais” no mundo e que será preciso “reinventar a democracia”, havendo ainda uma autorregulação.
Dilma Rousseff apela à luta contra «golpe» e rejeita pedido de impugnação
A Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, pediu hoje ao povo brasileiro para defender a democracia, afirmando que vai usar todas as ferramentas previstas na Constituição para contestar o pedido de impugnação do seu mandato.
“Pela saúde da democracia temos de a defender contra o golpe”, afirmou a chefe de Estado brasileira, num discurso durante a cerimónia de encerramento da XV Conferência Nacional de Saúde, numa referência ao pedido de impugnação que foi aceite na quarta-feira pela Câmara dos Deputados (câmara baixa do Congresso brasileiro).
O texto, que começou a ser lido na quinta-feira, acusa Rousseff de falsidade ideológica e crime contra as finanças públicas.
O documento, redigido por juristas, acusa também Dilma Rousseff de agir com dolo para se manter no poder e de ter conhecimento da corrupção na empresa estatal Petrobras.
As palavras de rejeição de Dilma Rousseff sobre o processo de impugnação, que qualificou como um “golpe”, mereceram uma ovação da plateia composta por centenas de profissionais e utentes do sistema de saúde público brasileiro.
“Não existirá nenhum golpe”, gritou a plateia, utilizando o novo lema associado aos grupos que defendem a permanência de Rousseff na Presidência brasileira.
Diário Digital/AFP/TPT/7/12/2015