Rodeado por sobreviventes e familiares de vítimas de tiroteios e apresentado por Mark Barden, cujo filho de sete anos, Daniel, foi uma das vítimas do ataque à escola de Sandy Hook, que fez duas dezenas de mortos em 2012, Barack Obama garantiu: “Sempre que penso naqueles miúdos, ficou furioso”. O presidente americano não conteve as lágrimas num dos momentos mais emotivos de um discurso na Casa Branca durante o qual anunciou novas medidas para o controlo das armas. Entre elas a obrigatoriedade da licença para todos os vendedores e uma análise minuciosa do historial dos compradores.
Obama, que deixa a Casa Branca em 2017, recordou como o tiroteio em Sandy Hook foi um dos momentos mais difíceis dos seus dois mandatos como presidente. Já na altura, o democrata tentara impor maiores restrições à venda de armas, num país que para 330 milhões de habitantes tem 270 milhões de armas de fogo.
“Esse dia mudou-me”, garantiu ontem o presidente, que lamentou que desde então tenham continuado a morrer pessoas em incidentes com armas de fogo. Por isso, Obama sublinhou que chega de desculpas e afirmou estar ali “não para debater o último tiroteio, mas para impedir o próximo”.
Para travar uma violência relacionada com as armas que só na última década matou cem mil pessoas, Obama apresentou um plano em vários pontos. O primeiro encarrega a agência para o Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês) de garantir que qualquer pessoa que vende uma arma – seja numa loja, numa feira ou online – é obrigado a ter licença. E é também obrigado a fazer uma análise detalhada ao background dos compradores. Quem não cumprir estes requisitos incorre em penas até cinco anos de prisão e 250 mil dólares de multa.
O objetivo é impedir que as armas acabem nas mãos de indivíduos perigosos. Para tal, o presidente anunciou ainda que o FBI, a polícia federal americana, vai contratar 230 funcionários que se irão dedicar a processar o historial dos compradores de armas, 24 horas por dia, sete dias por semana.
A ATF também verá orçamento e equipa reforçados para garantir a aplicação da nova lei, no terreno, como online. Mas o maior reforço de orçamento irá para a saúde mental, com a Administração a reservar 500 milhões do orçamento de 2017 para facilitar o acesso dos doentes a cuidados nessa área.
Guerra no Congresso
Visto como uma das grandes frustrações da Administração Obama, o reforço do controlo na venda de armas promete abrir uma guerra no Congresso. Afinal desde os anos 90 que este não aprova nenhuma lei para restringir o acesso dos americanos às armas, garantido pela Segunda Emenda da Constituição. Sabendo disso e confrontado com um Congresso em que os republicanos dominam tanto a Câmara dos Representantes como o Senado, Obama impôs estas medidas através de ordens executivas, que não precisam de aprovação dos legisladores. Mas podem ser revogadas pelo próximo presidente. E se este for republicano, é quase certo que tal irá acontecer (texto ao lado).
Desafiando as críticas da oposição e a NRA, o poderoso lóbi das armas, Obama garantiu ontem que impor estas restrições está nas suas competências e que estas em nada violam a Constituição. “Todos temos de exigir um Congresso suficientemente corajoso para enfrentar as mentiras do lóbi das armas”, afirmou Obama. Para o presidente, o mais importante é que “mesmo que não consigamos salvar todos, conseguiremos salvar alguns”.
“Todos temos de exigir um Congresso suficientemente corajoso para enfrentar as mentiras do lóbi das armas”, disse Obama.
A resposta da NRA surgiu através de Chris Cox que, em comunicado, denunciou um “abuso do governo” e prometeu lutar para proteger os direitos constitucionais dos americanos.
Vendas batem recorde
Apesar de tiroteios quase diários nos EUA e de todos os dias 33 americanos serem mortos por uma arma – ou talvez por isso mesmo – as vendas de armas dispararam em 2015. O FBI recebeu 23,1 milhões de pedidos de análise do historial de compradores de armas de fogo. Só na Black Friday – o primeiro dia de saldos após o Natal – foram compradas mais de 185 mil armas. Passavam então poucos dias desde o tiroteio de San Bernardino, Califórnia, quando um casal de atiradores fez 14 mortos e 22 feridos. A corrida às armas é uma reação clássica dos americanos depois de um massacre.
Apesar das pressões da direita e do lóbi do sector, a última sondagem da Gallup, realizada em outubro, mostra que 58% dos americanos defende um análise mais rigorosa do historial dos compradores de armas.
Kevin Lamarque/ REUTERS /TPT/6/1/2016