Filhas do membro da LUAR Camilo Mortágua são deputadas do Bloco no Parlamento

Na casa das irmãs Mortágua sempre se falou de política. “Não tanto de partidos, mas de política”, como gosta de frizar Joana Mortágua.

 

 

“Sempre se falou muito de política à mesa, porque os meus pais eram muito politizados e muito de Esquerda. Não se falava tanto do que se passava no Parlamento ou nos partidos, mas do que se passava na sociedade”, acrescenta.
Joana e Mariana Mortágua são irmãs gémeas, e filhas do membro da LUAR Camilo Mortágua. Mariana conhecida dos portugueses pela atuação nas comissões de inquérito ao caso BES, entrou na Assembleia da República aos 27 anos, em 2012, em substituição de Francisco Louçã.

 

 

Filhas do assaltante Camilo Mortágua são deputadas no Parlamento 2

Em 2013, substituiu a deputada do Bloco de Esquerda Ana Drago. Mariana, foi reeleita nas últimas legislativas. Joana só entrou agora no Parlamento, eleita pelo circulo eleitoral de Setúbal.

 

 

 

Falar da filiação política destas duas deputadas no Bloco de Esquerda é relevante porque várias ideias defendidas pela deputada e pelo seu partido já foram postas em prática pelo pai, com resultados desastrosos, designadamente na ocupação e gestão da Herdade da Torre Bela.

 

 

 

Filhas de peixe…

 

 

 

As gémeas de 29 anos são filhas de Camilo Mortágua, histórico resistente anti-fascista e membro da LUAR (Liga de Unidade e Ação Revolucionária). “Os meus pais conheceram-se na luta política. Foram os dois muito participativos dos momentos de luta política em Portugal”, conta Joana.

 

 

“Esta atitude política foi-nos sendo incorporada muito naturalmente.”
Se Mariana agora é mais conhecida da opinião pública, o percurso efetivo da irmã Joana na política e no Bloco de Esquerda começou mais cedo: “Eu e a Mariana tivemos percursos individuais, desde muito cedo, inclusive no Bloco”. “Entrámos em alturas diferentes no partido. Eu entrei primeiro”, esclarece a deputada eleita por Setúbal.

 

Apesar das notórias semelhanças físicas, Joana Mortágua diz que não vê, no Parlamento, a irmã Mariana, mas sim a deputada Mariana: “Não nos vejo como duas irmãs deputadas. Somos duas deputadas”.

 

E não esconde o orgulho que sente do trabalho da deputada Mariana Mortágua. “A Mariana fez uma excelente na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES. Foi bom para ela, que lhe deu notoriedade, foi bom para o Bloco de Esquerda e foi bom para o país”, sublinhou.

 

 

 

Quem é Camilo Mortágua?

 

 

 

Nasceu em Oliveira de Azeméis, a 29 de Janeiro de 1934. Sem inclinação para os estudos, como o próprio reconhece nas suas memórias, pegaram-lhe a alcunha de Batata. Aos 12 anos segue com os pais e as duas irmãs para Lisboa. Em 1951, emigra para a Venezuela.

 

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Na madrugada de 22 de Janeiro de 1961, integra o grupo de revolucionários que, sob o comando de Henrique Galvão, toma de assalto o paquete Santa Maria. Durante o acto, o oficial Nascimento Costa é assassinado pelos assaltantes.

 

 

A tomada do navio, que transportava 600 turistas em viagem para Miami e mais de 300 tripulantes, foi preparada na Venezuela pelo Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL). Era um organismo híbrido que nasceu da fusão entre o grupo de Galvão e um grupo de exilados espanhóis, dirigido por Jorge de Soutomayor, ex-combatente comunista na Guerra Civil de Espanha.

 

 

Aviões americanos acompanharam os movimentos do Santa Maria, que ostentava no castelo da proa a faixa “Santa Liberdade”, pintada à mão. Entretanto, enquanto decorriam as negociações, o corpo do piloto assassinado apodrecia no seu caixão, na capela do paquete.

 

 

Antes do assalto ao Santa Maria, o DRIL, que estava classificado pela CIA como “organização terrorista”, promovera atentados em várias cidades de Espanha. A bomba que o grupo fez explodir em 1960 na estação de Amara, em San Sebastián, matou uma criança de 2 anos, Begoña Urroz.

 

 

O crime foi atribuído por largo tempo à ETA, mas dados históricos revelados nos últimos meses em Espanha demonstram a autoria do DRIL. Era com esta gente que Mortágua e os outros democratas queriam combater as ditaduras ibéricas e apear do poder Salazar e Franco.

 

 

A 10 de Novembro de 1961, desvia à mão armada com Palma Inácio e mais uns tantos criminosos um avião da TAP, no voo Casablanca-Lisboa. Foi assim um pioneiro do terrorismo aéreo, com o objectivo singelo de sobrevoar Lisboa e outras cidades portuguesas a baixa altitude para lançar milhares de folhetos subversivos.

 

 

Se quisermos descobrir um rasgo verdadeiramente inovador nos oposicionistas ao Estado Novo, forçoso será recorrer à aeronáutica: o primeiro desvio de um avião comercial em todo o mundo. Os terroristas islâmicos regulam com atraso em relação aos nossos antifascistas, sempre na vanguarda.

 

 

 

O assalto ao Banco de Portugal

 

 

 

A 15 de Maio de 1967, Camilo Mortágua, Palma Inácio, António Barracosa e Luís Benvindo assaltam a filial do Banco de Portugal na Figueira da Foz. O golpe é comummente atribuído à LUAR, acrónimo de Liga de Unidade e Acção Revolucionária, mas tal não corresponde por inteiro à verdade.

 

 

Na data do assalto, a LUAR ainda não existia. Foi criada à pressa no mês seguinte, como reconheceu Emídio Guerreiro, um dos fundadores, “para dar uma cobertura política e credível ao assalto do banco” (‘Diário de Notícias’, 6/9/1999, pág. 15) e assim evitar e extradição para Portugal dos criminosos, que entretanto se haviam refugiado em França.

 

 

Em consequência do golpe, Palma Inácio foi monetariamente crismado de “Palma Massas”. E havia fundadas razões para isso. A operação rendeu cerca de 30 mil contos, uma fortuna para a época, equivalente a 9 milhões de euros de hoje, ainda que boa parte das notas tenha sido depois recuperada pela PIDE.

 

 

“Logo que se apanharam com o dinheiro, acabou o romantismo revolucionário”, acusou depois Emídio Guerreiro, em entrevista a O DIABO (22/9/1992, pág. 8). É o costume. O dinheiro sobe sempre à cabeça das pessoas. Deviam ter lido Marx e Kautsky antes de começarem a roubar.

 

 

A Torre Bela

 

 

A Herdade da Torre Bela, com 1700 hectares, a maior área de terra agrícola murada do País, pertencia ao duque de Lafões. A 23 de Abril de 1975, foi ocupada pelo “povo trabalhador” aos gritos de “a terra a quem a trabalha”.

 

 

Para comandar aquela tropa mista de camponeses, delinquentes e bêbados, aterrou na herdade ribatejana o revolucionário Camilo Mortágua, já grávido de ideias bloquistas.

 

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O processo ficou documentado no filme “Torre Bela”, de Thomas Harlan (filho do cineasta Veit Harlan, com ligações ao regime nacional-socialista). Militante da extrema-esquerda, o alemão quis filmar a utopia socialista, mas dormia no quarto do duque. Era o único que tinha casa de banho privativa.

 

 

As imagens são divertidas e esclarecedoras: Mortágua e Wilson, outro ladrão de bancos, a doutrinar as massas sobre “latifundiários” e “cooperativas”; Zeca Afonso, Vitorino e o padre Fanhais, este também membro da LUAR, a cantar o Grândola de megafone, diante do povo aparvalhado; o inesquecível diálogo entre Wilson e o camponês avesso à “comprativa” [sic] sobre a enxada que “passa a ser de todos”; a inenarrável reunião em que o oficial do MFA incita à ocupação do palácio: “primeiro vocês ocupam e depois a lei há-de vir”; e os camponeses a experimentar as roupas dos patrões, remexendo-lhes as gavetas com um misto de culpa, curiosidade e desejo.

 

 

O filme é um documento notável de cinema directo, uma comédia do absurdo sobre a “reforma agrária”, processo de espoliação que nos custou os olhos da cara. Ainda há dias o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a pagar mais 1,5 milhões de euros de indemnização a famílias expropriadas.

 

 

Os desvarios de Abril não começaram com o BPN ou as PPP (Parcerias Público-Privadas). Tiveram início logo após a revolução, com as ocupações de terras e as nacionalizações selváticas, que ainda agora figuram – de forma mais velada – entre os objectivos do Bloco de Esquerda, da menina Mortágua.

 

 

E depois do adeus

 

 

Após a frustrada experiência na Torre Bela, os mais destacados membros da LUAR, como Mortágua e Palma Inácio, achegaram-se mais e mais aos partidos dominantes. Alguns membros da organização não gostaram. Um deles, Belmiro Martins, exprimiu o seu descontentamento ao jornal ‘Tal & Qual’ (5/9/1997, pág. 6): “Vejo que os chefes da LUAR se passam de armas e bagagens para o Poder […] Senti-me traído […] Decidi então que passaria a roubar para mim.”

 

 

Decidiu e cumpriu. Estabeleceu-se por conta própria no ramo dos furtos, secção de ourivesarias. Parece que assaltou mais de cem lojas. Afirma-se com orgulho o “maior assaltante de ourivesarias de todos os tempos”. Foi preso em 1977 e condenado, tendo cumprido 17 anos de cadeia. Foi libertado em 1994, mas logo se entusiasmou por outras montras a reluzir de ouro. De novo preso em 1997, saiu finalmente em 2006, quando oficiava de sacristão na cadeia de Pinheiro da Cruz.

 

 

Belmiro Martins chegou a integrar os órgãos sociais do Fórum Prisões, associação presidida pelo advogado de Otelo no caso das FP-25 de Abril, Romeu Francês, antigo militante do MRPP, que depois seria condenado em processos de burla, falsificação de documentos, abuso de confiança e fraude fiscal, que acabariam por ditar a sua expulsão da Ordem dos Advogados.

 

 

 

Mortágua, hoje

 

 

Um homem com a folha de serviços de Mortágua não podia deixar de ser homenageado pelo novo regime. A justiça democrática tarda, mas não falta. A 10 de Junho de 2005 foi-lhe atribuída a condecoração de Grande Oficial da Ordem da Liberdade, por Jorge Sampaio, então Presidente da República.

 

 

Camilo Mortágua, hoje com 81 anos, está estabelecido no Alvito, em pleno Alentejo, como empresário. É hoje um “agrário”, nome pejorativo que os revolucionários de antanho colavam na região aos proprietários de terras agrícolas.

 

 

Isto é um assalto

 

 

Mariana Mortágua nasceu em 1986. Licenciada em Economia, é mestra pelo ISCTE (‘where else?’) com uma dissertação sobre “O Papel da Caixa Geral de Depósitos na Recente Crise Económica (2007-11)”.

 

 

Militante do Bloco de Esquerda, a filha de Camilo Mortágua publicou dois livros a meias com Francisco Louçã.

 

 

Em 2012 editou “A Dívida(dura) – Portugal na crise do Euro” (Bertrand, 2012, 240 págs.) A obra foi apresentada na FNAC do Chiado por Marcelo Rebelo de Sousa, para escândalo dos bloquistas mais pedregosos.

 

 

Em Abril de 2013 lançou “Isto é um assalto: a história da dívida em banda desenhada” (Bertrand, 2013, 184 págs.), com ilustrações de Nuno Saraiva.

 

 

A contracapa informa que o livro ”descreve o assalto que Portugal está a sofrer”. Reconheça-se, antes de mais, a legitimidade do título. Em matéria de assaltos, os Mortáguas são especialistas. O roubo que Portugal está a sofrer começou logo após a revolução, com o papá Camilo e outros que tais, imbuídos de um ideário que Mariana não rejeita. Limita-se a defendê-lo com outros termos e balelas, que aprendeu no ISCTE e na Rua da Palma.

 

 

No pai e na filha, a mesma necessidade de lutar contra a “ditadura” (seja a de Salazar ou a da dívida), o mesmo ódio ao “adversário” (seja lá ele quem for), a mesma receita de nacionalizações (começa-se com herdades, depois bancos, energia, água, transportes e tudo o que aparecer à frente), o mesmo desrespeito à propriedade alheia e quase uma relação de amor e ódio com o “grande capital financeiro”: o pai assaltava bancos, a filha faz teses de mestrado sobre a Caixa Geral de Depósitos.

 

 

Diabo/TVI24/TPT/18/1/2016

 

 

 

 

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