Merkel vai insistir que o “plano Turquia” pode travar o fluxo migratório em direcção à Europa. Mas vai ter dificuldade em provar que nem ela nem os restantes líderes perderam o controlo.
Depois de meses de acusações, recriminações e tomada de decisões que nunca foram aplicadas, a União Europeia (UE) faz mais uma tentativa para se pôr de acordo sobre a forma de travar o incontrolável fluxo de refugiados que chega ao seu território. Sinal da profunda crise institucional que o problema criou, o debate vai opor duas propostas irreconciliáveis, uma patrocinada pela chanceler alemã, Angela Merkel, e outra proposta por países do Centro da Europa.
As propostas são já conhecidas mas, antes de serem apresentadas para discussão aos 28 — durante um jantar na quinta-feira —, terão um momento de debate. Antes do início da cimeira, haverá uma reunião em que participam 11 Estados-membros “voluntários” e um convidado.
Os “voluntários” são os que aceitaram continuar a receber refugiados (oriundos de países com conflitos) mas com limites. O país convidado é a Turquia, mas esta quarta-feira, o primeiro-ministroturco, Ahmet Davutoglu, cancelou a viagem a Bruxelas.
O país é classificado como parceiro estratégico na solução que a chanceler alemã consegui fazer aprovar mas que tarda em ser aplicada: os países voluntários irão buscar, de forma organizada e controlada, os refugiados que aceitam receber no seu território e que terão que estar registados em campos na Turquia, na Jordânia ou no Líbano, e já seleccionados como candidatos válidos ao pedido de asilo na Europa comunitária, explicou à AFP o ministro adjunto dos Assuntos Europeus grego, Nikos Xydakis.
No âmbito deste acordo, a UE garantiu três mil milhões de euros para os turcos criarem meios para estancar o fluxo de gente que atravessa o Mediterrâneo Oriental e chega à Grécia e melhorarem as condições de vida dos cerca de 2,5 milhões de sírios que acolheram. O pagamento já começou a ser feito, mas o fluxo de gente não abrandou e o Presidente turco, Recep Erdogan, disse esta quarta-feira — citado pela agência turca Anadolu — estar convencido de que a Europa “não tem hipóteses” de alcançar o seu objectivo.
Na conferência de imprensa que deu esta quarta-feira em Berlim, a chanceler alemã insistiu que os dirigentes europeus têm que aceitar uma “acção comum” sobre a “crise migratória”. “Em primeiro lugar, é preciso termos uma posição comum sobre o que devemos fazer para proteger as nossas fronteiras externas”, disse Merkel.
Há meses que Merkel repete esta ideia de unidade — disse pela primeira vez que a resolução da crise devia ser um “objectivo comum” em Setembro passado —, há meses que é ignorada.
Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (o velho grupo de Visegrado), que se reúne também antes da cimeira e não aceita propostas que tragam mais gente para a Europa, insiste numa solução radicalmente diferente, que aliás já começou a pôr em prática, unilateralmente. O que propõem é a criação de uma segunda linha de fronteira na Europa — uma fronteira de arame farpado —, que impeça os refugiados e imigrantes de penetrarem no espaço da UE. Propõem-se também ajudar a Bulgária e a Macedónia a juntarem-se a esta fronteira de estancamento do fluxo migratório.
Há movimentações noutros países no sentido de avançar com esta solução de isolamento. O Governo da Eslovénia pediu esta quarta-feira ao Parlamento autorização para mobilizar as Forças Armadas para o controlo de fronteiras. Uma consequência da decisão da Áustria que, também unilateralmente, acaba de anunciar que vai limitar a 80 o número de pedidos de asilo que vai aceitar por dia e a 3200 as pessoas que vai deixar atravessar o seu território, em viagem para outros países, anunciou a ministra do Interior, Johanna Mikl-Leitner.
O resultado real desta opção é o isolamento da Grécia, o país que é a porta de entrada desta massa humana e que está a ser pressionado (e ameaçado) para travar o fluxo, quer impedindo os refugiados de chegarem à sua costa ou criando, rapidamente, centros de registo e triagem para se decidir quantas destas centenas de milhares de pessoas têm direito a pedir asilo e quantas serão mandadas para trás (outro quebra cabeças: para onde e como). Até ao momento, não surgiu um plano europeu de ajuda, financeira e logística, para ajudar a Grécia a cumprir estes objectivos.
O que se espera desta cimeira no capítulo dos refugiados é uma declaração de intenções, um reforço do que Merkel tem vindo a dizer nas últimas semanas: rejeição do encerramento de fronteiras e salvaguarda do espaço Schengen, cooperação com a Turquia (vai ser avaliado o que está a ser aplicado por Ancara) e insistência no reforço dos mecanismos de controlo do fluxo de pessoas na Grécia. Sobre o plano para distribuir 160 mil refugiados pelos países de acordo com o número de habitantes e riqueza de cada país, aprovado no ano passado e nunca devidamente aplicado, nada deverá ser mencionado. Merkel garantiu que não se falará neste assunto fracturante e que só levou cerca de 400 pessoas para o destino atribuído.
Uma migalha perante os números gerais. De acordo com as Nações Unidas e a Organização Mundial para as Migrações, há neste momento 2,5 milhões de pessoas na Turquia que querem seguir para a UE; no ano passado entraram, sem controlo, à volta de 1,5 milhões e a Alemanha recebeu mais 1,1 milhões. O fluxo de chegadas não abranda, apesar do Inverno — ontem foi encontrado mais um corpo, de um rapaz de quatro anos, numa das embarcações que levaram mais 600 pessoas para a ilha grega de Chios.
Apesar da insistência de Merkel na parceria UE/Turquia, o historial da UE nesta crise de refugiados e a posição ambígua da Turquia não abre espaço para optimismo. Os países não se entendem, a União está fragmentada e, em Bruxelas, os líderes — com Merkel à cabeça — poderão só conseguir uma declaração de intenções que será só mais um sinal de que perderam totalmente o controlo da situação.
Ana Gomes Ferreira/Pub/AFP/19 de Fevereiro de 2016