Um inspector-chefe da Polícia Judiciária (PJ), um coordenador reformado da mesma polícia e um cabo da GNR foram detidos nesta terça-feira por suspeitas de corrupção, no âmbito de numa investigação da própria PJ, iniciada em 2013. Segundo o PÚBLICO apurou, os chefes da PJ terão recebido milhares de euros para travarem investigações, ignorarem suspeitas e passarem informações.
Os dois investigadores da PJ tinham um lugar privilegiado naquela polícia: o inspector-chefe Ricardo Macedo liderava há anos uma das três secções da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) e o colega, que se reformou há pelo menos três anos, esteve mais de 30 anos na PJ, tendo ocupado lugares de chefia durante muitos anos.
O militar da GNR seria o homem de mão de Ricardo Macedo, que teria um especial cuidado de não se expor directamente, para não levantar qualquer suspeita. A actuação do cabo neste caso não estará directamente relacionada com o cargo que exercia na GNR.
Além dos três polícias, a PJ deteve na megaoperação que ainda decorria esta terça-feira à noite mais 12 homens, por suspeitas de corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais, associação criminosa e tráfico de estupefacientes.
Os elementos da PJ terão recebido, pelo menos nos dois últimos anos, milhares de euros de traficantes de droga. Pelo alegado suborno, terão travado investigações, ignorando suspeitas que não averiguavam e passado informações sobre investigações em curso. Além de elevadas quantias monetárias, os dois polícias terão também recebido outro tipo de vantagens patrimoniais, como casas.
Os restantes detidos serão traficantes ligados a diferentes redes, parte dos quais terão corrompido os três polícias, que trabalhariam em conjunto.
O inspector-chefe detido, Ricardo Macedo, trabalha há já vários anos na UNCTE, onde dirigia uma das três secções, ocupando um cargo que deveria estar entregue a um profissional de categoria superior, um coordenador de investigação criminal. Tal não sucedia, como acontece em muitas outras situações, devido à enorme falta de chefias que existe actualmente na PJ.
Já o colega, Dias Santos, um coordenador aposentado, também trabalhou na mesma unidade, mas, antes do início desta investigação, terá sido transferido para a Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo, de onde saiu para a reforma. Na PJ, a carreira de investigação criminal começa em inspector, segue para inspector-chefe, depois para coordenador de investigação criminal e termina em coordenador superior.
As casas do inspector-chefe, do coordenador reformado e do cabo da GNR foram revistadas esta terça-feira por colegas da PJ, que terão recolhido documentação importante para o decorrer da investigação. Os três terão sido transportados ao fim do dia para o Estabelecimento Prisional de Évora, uma cadeia que alberga suspeitos oriundos das polícias e com necessidades especiais em termos de segurança.
Antes disso, o coordenador Dias Santos teve oportunidade de falar com o seu advogado, Melo Alves, que apenas confirmou que o seu cliente iria dormir na cadeia de Évora. “Neste momento não quero fazer qualquer tipo de comentário”, afirmou o defensor ao PÚBLICO.
A investigação, que começou em 2013, foi conduzida pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, sob a direcção de dois procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal. O três polícias foram detidos no âmbito de uma megaoperação — à qual a PJ deu o nome Aquiles — que decorreu durante toda esta terça-feira.
“No âmbito de um inquérito em investigação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), estão em curso várias diligências, designadamente buscas nas zonas de Lisboa e Porto, tendo sido emitidos mandados de detenção”, adiantou a Procuradoria-Geral da República, num comunicado emitido por volta da hora do almoço.
A operação desenrolou-se em todo o território nacional, mas incidiu principalmente nas zonas de Lisboa e Porto. Contou no terreno com 250 inspectores da PJ e incluiu a realização de cerca de 120 buscas domiciliárias e não domiciliárias. Na operação participaram inspectores de várias unidades daquela polícia, nomeadamente a UNCTE, onde trabalharam dois dos detidos.
No total foram detidos “15 homens, com idades entre os 39 e os 61 anos, suspeitos da autoria dos crimes de corrupção activa e corrupção passiva para acto ilícito, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes”, refere a PJ em comunicado. Os detidos serão ouvidos esta quarta-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, pelo juiz Carlos Alexandre, que acompanhou as buscas e assinou os mandados de captura.
Contactada pelo PÚBLICO, a Direcção Nacional da Polícia Judiciária não comentou a detenção dos dois investigadores. Já depois das 22h, o PÚBLICO tentou obter, sem sucesso, uma reacção do porta-voz da GNR. Já o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, Carlos Garcia, admitiu que a “notícia da detenção destes dois elementos” traz “alguma tristeza”. Porém, do “ponto de vista institucional, isto é a prova de que a PJ investiga todos, independentemente de serem ou não polícias. De qualquer forma, estas pessoas presumem-se inocentes. Vamos esperar pelo resultado”, acrescentou.
Não é a primeira vez que inspectores da PJ são suspeitos de corrupção, apesar de não haver memória de um caso tão grave como este. Em Janeiro, arrancou o julgamento do inspector da Polícia Judiciária de Setúbal acusado de envolvimento numa fraude fiscal de 6,6 milhões de euros relacionada a compra, em larga escala, no mercado português de objectos em ouro, que posteriormente seriam fundidos, transformados em barras e vendidos no estrangeiro. O inspector João de Sousa está acusado, entre outros crimes, por denegação de justiça e prevaricação, corrupção passiva, abuso de poder e violação de segredo de funcionário.
Inspectores da PJ protestam contra saída da Interpol e Europol
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À procura da melhor forma de contestar este plano do Governo, o sindicato organiza esta quinta-feira reuniões em todo o país, que deverão incluir concentrações à porta de cada um dos serviços.
Daniel Rocha/Pedro Sales Dias e Mariana Oliveira/Público/Reuters/Celso Paiva Sol/ 6 de Março de 2016