O aeroporto de Lisboa já se chama “obviamente” Humberto Delgado

Ao meio-dia, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, puxa a corda que tapa o pano branco e as letras fixadas na fachada do aeroporto de Lisboa surgem diante dos olhos de todos: Aeroporto Humberto Delgado. Ouvem-se palmas. Uma vez lá dentro, na zona das chegadas, o Chefe de Estado considera simbólico que este momento seja assinalado por um Governo de esquerda e um Presidente de centro-direita. O “general sem medo” foi elogiado por todos, em todas as facetas, a de aviador, responsável pela criação da aviação comercial em Portugal e a de homem que lutou pela liberdade. Pelo contributo que deu à democracia.

 

 

Os discursos seguiram-se à exibição de um vídeo sobre a vida de Humberto Delgado, que se candidatou às eleições presidenciais de 1958 e que, quando questionado sobre o que faria a Salazar caso fosse eleito, respondeu a célebre frase: “Obviamente, demito-o.”

 

 

Quando se comemoram 110 anos do nascimento de Humberto Delgado, Marcelo Rebelo de Sousa começou por saudar os netos e bisnetos, entre outros familiares do general sem medo, presentes na cerimónia, porque os mais novos são o “futuro”. Elogiou o homem que “amava a liberdade e por ela voava tão alto como os aviões que pilotou”. Um homem “livre, totalmente livre”, corajoso, com “coragem física” que enfrentou “tudo e todos”, um homem que se tornou “consensual”. Por isso, considerou “simbólico” que a cerimónia juntasse um Governo de esquerda e um Presidente de centro-direita. Humberto Delgado, disse, foi “um arrojado sonhador da nossa democracia”.

 

 

Voar e liberdade

 

 

Também o primeiro-ministro, António Costa, afirmou que se estava a cumprir “um acto de justiça histórica”. Salientou que, no imaginário do ser humano, a capacidade de voar sempre esteve associada à liberdade. Falou na audácia, na coragem, na resistência, na determinação de Humberto Delgado, no “sacrifício pela liberdade” que fez. A mudança de nome do aeroporto é, referiu também, um acto “pedagógico”, para que as novas gerações perguntem quem foi o vulto. E “ficarão a saber”, sublinhou o primeiro-ministro, que muitos portugueses morreram para termos “a liberdade que hoje nos é tão natural como o ar que respiramos”. Humberto Delgado foi, reiterou, um “pioneiro da aviação comercial” e um “herói da liberdade”. E o novo nome do aeroporto simboliza, defendeu, o Portugal democrático que nasceu depois de Abril.

 

 

O discurso do autarca de Lisboa, Fernando Medina, alinhou no mesmo sentido. Também recordou que foi o actual primeiro-ministro, quando era ainda presidente da Câmara de Lisboa, que sugeriu a mudança de nome de Aeroporto da Portela para Humberto Delgado – mudança confirmada este ano em Conselho de Ministros.

 

 

Salientou que o nome vai estar “na porta de entrada e saída do país”, o que vai fazer com que muitos se questionem sobre quem foi este homem “barbaramente assassinado” pela PIDE. “Vão ficar a saber que os portugueses são, mais cedo ou mais tarde, verdadeiramente um povo sem medo”, disse.

 

 

Na cerimónia, também o falou o filho, o comandante Humberto Rosa Delgado, lembrando que o pai “abdicou da sua individualidade pelo todo” e lamentando que a mãe, que morreu com 105 anos, não assistisse a este momento. A cerimónia incluiu ainda um momento em que vários convidados carimbaram e assinaram um postal dos CTT, alusivo ao momento, e visitaram a exposição Humberto Delgado e a Liberdade dos Céus.

 

 

Antes, tinha discursado Nicolas Notebaert, presidente da Vinci Airports, que salientou que “2015 foi um ano de recordes para toda a rede de aeroportos portugueses”: “Lisboa não foi excepção a esta regra, atingindo um novo recorde de 20 milhões de passageiros. Estes resultados de sucesso foram alcançados graças ao excelente relacionamento com as autoridades públicas, em particular com o Governo e com a Câmara Municipal de Lisboa, ao longo destes três últimos anos. Por isso, esperamos encontrar em conjunto soluções para garantir a continuidade deste enorme crescimento, sem limitações ou restrições”, disse, acrescentando que esses resultados “devem-se também à atractividade do destino Lisboa, da localização do aeroporto próximo do centro da cidade e à existência do hub de Lisboa, que é vital preservar e desenvolver”: “Estamos preparados para definir com o Governo qual será a melhor oferta adicional de capacidade para a região de Lisboa”, frisou.

 

 

Retrospectiva

 

 

 

Em fevereiro, o Governo aprovou, em Conselho de Ministros, batizar o aeroporto de Lisboa com o nome do general, seguindo a proposta da Câmara de Lisboa, aprovada um ano antes, quando o atual primeiro-ministro, António Costa, ainda estava à frente do município.

 

 

Na moção aprovada, por unanimidade, a 11 de fevereiro de 2015, em reunião camarária, António Costa sustentava que Humberto Delgado “foi uma figura notável do país político do seculo XX”, assim como “um vulto maior da aviação comercial portuguesa”, destacando o facto de ter fundado a TAP.

 

 

Humberto Delgado nasceu a 15 de maio de 1906 em Boquilobo, Torres Novas, e foi assassinado a 13 de fevereiro de 1965, encontrando-se sepultado no Panteão Nacional.

 

 

O militar estudou aeronáutica, foi adido militar de Portugal, em Washington, além de membro do comité dos representantes da Associação do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês).

 

 

Em 1958, Humberto Delgado aceitou o convite  da oposição para ser candidato presidencial – contra Américo Tomás -, desafiando o regime, e recebeu manifestações de apoio um pouco por todo o país, que eram seguidas de perto e reprimidas pela PIDE (polícia política).

 

 

Questionado sobre o que faria com Salazar se ganhasse as eleições, respondeu ‘obviamente, demito-o’, uma vez que o Presidente da República nomeava e podia demitir o chefe de Governo.

 

 

Mesmo com fraude eleitoral, Humberto Delgado obteve 23,5% dos votos e passou a ser uma das figuras mais temidas do regime.

 

 

A 13 de fevereiro de 1965, o general e a sua secretária Arajaryr Campos foram assassinados perto de Badajoz, por uma brigada da PIDE, que o atraiu a este local convencendo-o de que se ia encontrar com militares oposicionistas.

 

 

 

TPT com: Maria João Lopes//Daniel Rocha/Público/Expresso// 15 de Maio de 2016

 

 

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