Governo português lança ofensiva diplomática para evitar sanções europeias

O Governo intensifica nas próximas semanas a ofensiva diplomática para convencer Bruxelas que o país não merece sanções por não ter cumprido o défice de 3% em 2015. Até à decisão da Comissão Europeia de início de Julho, há encontros marcados com vários comissários europeus e os embaixadores portugueses estão a agir junto de cada Governo da União Europeia para passar a ideia que seria “injusto” uma penalização ao país.

 

 

Já na próxima semana, vem a Lisboa Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, para reuniões com o primeiro-ministro, António Costa, e com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Mas se este foi um encontro programado por Belém, muitos outros não o são e fazem parte da estratégia do Governo para convencer os comissários europeus mais cépticos em relação a Portugal, um a um. E por isso, há um acentuar dos encontros com essa finalidade, afirma ao PÚBLICO a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques.

 

 

“O Governo está, de facto, a explicar junto das instituições europeias o que é evidente, que temos uma execução orçamental correcta relativamente ao que estava previsto, que assumimos o princípio de cumprir as responsabilidades europeias e que temos dados que mostram que isso está a acontecer”, diz. E acrescenta o argumento económico: “Qualquer perturbação na economia tem um impacto que é injusto”.

 

 

É nesse quadro que encaixam as reuniões que Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, e Mário Centeno, ministro das Finanças, vão ter com o primeiro vice-presidente da Comissão Europeia (CE) Frans Timmermans e com Cecília Malmström, comissária com o pelouro do Comércio. Na sexta-feira, Santos Silva foi recebido a solo por Jyrki Katainen, vice-presidente da CE.

 

 

Na semana passada, Centeno esteve já com outro vice-presidente, Valdis Dombrovskis, e com o poderoso comissário dos assuntos económicos Pierre Moscovici – ainda que o ministro tenha garantido que o tema das sanções não esteve em cima da mesa, o assunto está presente em pano de fundo. E no congresso do PS há quinze dias, esteve em Lisboa Martin Schulz, presidente alemão do Parlamento Europeu que, apesar de não ter voto nesta matéria, é mais uma voz que se junta ao coro contra as sanções.

 

 

Katainen e Dombrovskis são aliás dois dos comissários da linha que defende sanções a Portugal. “Há uma divisão entre aqueles que fazem uma leitura cega das regras [Dombrovskis] e aqueles que acham que deve haver uma leitura flexível pela evolução da situação orçamental do país, por um lado, e, por outro lado, que a ultima coisa que a União Europeia (UE) precisa é criar novos problemas [Juncker]”, disse a secretária de Estado ao PÚBLICO. Para ajudar a esta estratégia, o Governo tem ainda na mão as duas resoluções anti-sanções aprovadas pelo Parlamento.

 

 

A governante tem-se desdobrado em contactos em Bruxelas e preparado caminho para alguns destes encontros. Além disso, há uma preparação junto dos embaixadores nos países da UE, que têm colaborado nesta rede diplomática. Ainda na semana passada, os embaixadores foram chamados para uma reunião com Augusto Santos Silva e Mário Centeno. O trabalho é sobretudo feito entre os ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e das Finanças, mas não dispensa a agenda de contactos de António Costa, que tem uma ligação mais próxima com Moscovici e já recebeu do Presidente francês, François Hollande, a garantia de ter “um amigo no Conselho Europeu”.

 

 

Margarida Marques tem também mantido Carlos Moedas informado para que o comissário português seja uma peça de ajuda dentro das reuniões do colégio de comissários. Ao PÚBLICO, Carlos Moedas contou que há um “alinhamento de interesses” com o Governo nesta situação e que por isso tenta persuadir os colegas daquele órgão a não sancionar o país, mas o poder do comissário termina na persuasão. “Conto a história do país e faço-o em contacto institucional, com o Governo, a vários níveis, também para poder ter a informação do que se está a passar e poder transmitir de uma maneira normal o que se está a fazer. É um alinhamento de interesses”.

 

 

Quem é o “senhor 80 mil milhões” e o que pode ele fazer por Portugal?

 

Há uma expressão que os comissários europeus utilizam para se referirem aos seus países. São “os países que conhecem melhor”. O pronome “meu” antes de “país” não se pode ouvir ou não fosse entendido como um nacionalismo. E é essa a expressão que Carlos Moedas mais usa para convencer os colegas do colégio de comissários que Portugal não merece sanções por não ter cumprido o défice orçamental. Comissário português e Governo estão na mesma linha de argumentação, apesar de as famílias políticas serem diferentes. Mas se a cooperação é boa, o poder de Moedas termina na sua capacidade de persuasão.

 

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Falam por telefone sempre que é preciso – e desde que o Governo tomou posse, António Costa já precisou várias vezes de falar com Carlos Moedas para acertar estratégias. Também se encontram sempre que o primeiro-ministro vai a Bruxelas ou que o comissário vem a Lisboa. O primeiro-ministro já se referiu à relação que tem com Carlos Moedas como “impecável”. E o comissário diz que é uma “relação muito boa”, porque “é uma relação institucional, de defesa da Europa, de Portugal e tudo isso se conjuga”.

 

 

Não é uma amizade, é um encontro de objectivos. “Conto a história do país e faço-o em contacto institucional, com o Governo, a vários níveis, também para poder ter a informação do que se está a passar e poder transmitir de uma maneira normal o que se está a fazer. É um alinhamento de interesses”, diz. E nos tempos que correm, Moedas é o amigo e infiltrado de Portugal que Costa precisa. Ainda que tenha, há bem pouco tempo, sido governante no Governo PSD/CDS e um dos interlocutores de Pedro Passos Coelho junto da troika nas questões relacionadas com o memorando.

 

 

Desde que o Governo PS assumiu funções, já houve três momentos em que António Costa precisou do apoio de Carlos Moedas para fazer valer a posição portuguesa: primeiro foi na negociação do draft do Orçamento do Estado para este ano; depois para a aprovação do Programa de Estabilidade e do Programa Nacional de Reformas e agora, nas últimas semanas, por causa das eventuais sanções a Portugal. Mas até onde pode o comissário ajudar?

 

O poder da palavra

 

 

 

O poder que Moedas tem de ter nestas alturas é o da palavra, defende a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques. “A defesa do interesse nacional é muito importante nestes cenários. Assim como o poder de persuasão”, diz a Secretária de Estado. Na agenda da governante estão vários encontros nas próximas semanas com os comissários europeus, um a um para os convencer, desta vez, que Portugal não merece ser castigado por não ter cumprido o défice de 3% em 2015.

 

 

Se neste trabalho conta com a sua equipa, com uma rede que tem vindo a montar de funcionários que fazem uma espécie de “lóbi”, com a agenda de contactos de António Costa e com os embaixadores – que foram aliás chamados a semana passada para uma reunião com o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva –, quando a discussão passa para dentro do colégio de comissários, conta com Carlos Moedas.

 

 

O português fala com frequência, mas sem regularidade, com Margarida Marques, o elo de ligação em Bruxelas, e está a par das linhas de argumentação do Executivo. A colaboração, apesar de não ser próxima, é coincidente: “Neste caso, Carlos Moedas tem apoiado a estratégia de Portugal”, confirma a secretária de Estado.

 

 

Mas chega o poder da persuasão de um comissário que não tem uma das pastas-chave na Comissão? Um eurodeputado, que apesar da proximidade não se quis identificar, elogia a postura de Moedas na Comissão e o modo como este, mesmo não tendo uma pasta que não está na linha da frente, tem crescido na equipa de Juncker: “Entrou na Comissão como um desconhecido, mas tem-se vindo a afirmar”, sobretudo, acrescenta, pela disponibilidade que tem mostrado e pelo trato com quem se cruza com ele.

 

Um programa de ajustamento no CV

 

 

É o próprio que fala nessa especificidade do seu papel. Assim que passa a porta das reuniões do colégio, os comissários valem todos um voto, mas Moedas acredita fazer a diferença em relação a todos os outros nas matérias que não são da sua directa tutela, como os casos das decisões sobre assuntos financeiros: não há mais nenhum comissário que tenha passado por um programa de ajustamento. É essa experiência que, acredita, é uma mais-valia para Portugal quando se esgrimem argumentos na Comissão.

 

 

A vários orgãos de comunicação, o comissário lembra que tem essa “autoridade pessoal pela experiência em matérias orçamentais, durante o programa de ajustamento” e que falar sobre isso na primeira pessoa tem tido influência dentro de portas: “Tento ajudar o país a conseguir em vários temas, desde o orçamento, o Programa de Estabilidade e explicar onde Portugal estava, onde é que Portugal está e para onde vai. Penso que tem sido importante”. Ou seja, acrescenta: “Tenho tido o papel de alguém que conhece bem a parte técnica, mas que também tem uma visão política e que pode fazer isso no colégio de comissários ao explicar as situações de modo a que elas sejam compreendidas de uma forma que de talvez não o fossem” se não estivesse lá.

 

 

As exposições de Moedas sobre a evolução financeira do país são um trunfo que o Governo usa, sobretudo porque sabe que lá dentro, nem os que poderiam ser mais próximos da situação portuguesa, estão disponíveis. António Costa tem uma relação de longa data com o comissário francês Pierre Moscovici, com quem teve longas conversas durante a negociação do draft do OE, mas o socialista francês, que tem a pasta dos Assuntos Económicos e Financeiros da CE, já se mostrou favorável à aplicação de sanções a Portugal e Espanha.

 

 

Por isso, as tentativas de Moedas juntam-se assim à linha mais favorável a Portugal que conta com o apoio do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker. E se Schulz não tem voto a dar na CE, Juncker tem e é presidente da CE. “Há uma divisão entre aqueles que fazem uma leitura cega das regras (Valdis Dombrovskis) e aqueles que acham que deve haver uma leitura flexível pela evolução da situação orçamental do país e, por outro lado, que a última coisa que a União Europeia precisa é criar novos problemas (Juncker)”, analisa a secretária de Estado.

 

 

Onde acabam os partidos?

 

 

A Comissão Europeia vai decidir em Julho, depois de as eleições espanholas e do referendo à saída do Reino Unido da União, o que fazer a Portugal e Espanha, uma vez que os dois países não cumpriram com o défice abaixo de 3%. E a separação entre os comissários vai além da esquerda/direita.

 

 

Carlos Moedas foi secretário de Estado adjunto de Passos Coelho e a ideologia financeira em tudo difere do actual Governo. Mesmo assim, nem de um lado nem de outro admitem que os partidos são um problema. “O que nos une é o interesse por um Portugal cada vez melhor numa concorrência que é mundial. E isso sinceramente não tem nada de cor partidária. Aqui não há cor política. O alinhamento de interesses para ajudar o país é total”, garante.

 

 

O tal alinhamento passa também pelos argumentos utilizados. Um deles tem a ver com a venda da ideia que a Europa não precisa de mais um país no lado dos “anti”. Nas palavras do comissário é “um país que continua unido. Não vemos extremismo, não vemos populismo, que se vê em outros países da Europa que não sofreram o que nos sofremos”. Portugal merece assim a “credibilidade” por tudo “aquilo que fez, por aquilo que está a fazer”, lembrando o trabalho do anterior Governo e do actual. Em resumo, “é um país que está a fazer o seu trabalho com qualquer que seja a cor política que esteja à frente”.

 

 

A ideia casa com a que a secretária de Estado defendeu no Conselho dos Assuntos Gerais, onde tem assento, quando defendeu que a Europa “já tem duas crises, não precisa de acrescentar outra”, porque são essas atitudes que “têm levado à criação de uma atitude eurocéptica”. As conversas com o comissário português passam por este alinhamento de argumentos e estratégias numa proximidade q.b.. Até porque, além dos contactos institucionais, Moedas vai defendendo esta posição em conversas informais. Resta saber se são suficientes para em Julho dar uma vitória ao Executivo.

 

 

 

TPT com: AFP//JN//DD//Liliana Valente/Leonete Botelho/João Silva//Público// 19 de Junho de 2016

 

 

 

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