A administração da Caixa Geral de Depósitos demitiu-se. Numa carta enviada ao ministro das Finanças, Mário Centeno, com data de 21 de Junho, a equipa que terminou o seu mandato em Dezembro último faz saber que as condições para se manter no exercício de funções se tinham esgotado. E, numa linguagem dura, remetem para o Governo a responsabilidade pela resposta à indefinição que paira há meses sobre o maior banco do sistema. O Governo corre agora contra o tempo para garantir que António Domingues, ex-vice presidente do BPI, vai assumir rapidamente o cargo e clarificar a estratégia que o grupo estatal vai seguir nos próximos três anos.
Os termos da missiva que marca a ruptura entre a administração da Caixa e o accionista Estado permanecem desconhecidos. A notícia da demissão foi mantida num círculo restrito. Mas, esta segunda-feira, os presidentes Álvaro Nascimento (não executivo) e José Matos (executivo), em representação da restante equipa de gestão, escreveram aos trabalhadores a esclarecer que “chegou ao fim a jornada em que convosco servimos a CGD”.
A carta foi remetida durante a manhã, por correio electrónico, e é o culminar de um percurso de mais de seis meses marcado pelo impasse em torno do futuro do maior banco português, que desde Janeiro está sem rumo e sem estratégia. Uma situação que tem minado a imagem da CGD e gerado um braço-de-ferro surdo entre os actuais gestores e o Governo. A falta de clarificação ao nível da governação está a levar à suspensão de muitas decisões, em especial, na área do crédito.
A 31 de Dezembro de 2015, os mandatos de Álvaro Nascimento e de José Matos terminaram. Menos de três meses depois, a meio de Março deste ano, o Expresso veio revelar que António Costa tinha convidado o então vice-presidente de um banco concorrente, o BPI, para liderar a CGD no próximo mandato: António Domingues. O que se confirmaria, mas não era do conhecimento dos gestores em funções.
Esperava-se assim que Domingues fosse nomeado durante a última assembleia-geral (AG), de 25 de Maio, como constava, aliás, do quarto ponto da agenda de trabalhos. Mas a reunião foi interrompida, sem que dali tivesse saída uma linha de comando. E como foi divulgado pelo PÚBLICO, a 6 de Junho, o encontro acabou por servir para o presidente não executivo da Caixa se dirigir ao Governo em tons duros. Nascimento criticou os atrasos sucessivos na nomeação dos novos órgãos sociais, dadas as “implicações muito negativas” para a instituição. E aproveitou para lembrar que a “ausência de resposta formalmente adequada, por silêncio da tutela, agrava o já de si difícil quadro geral de exigências regulatórias e o relacionamento” da Caixa com os reguladores.
O pedido para as Finanças acelerarem a substituição da administração não teve resposta, o que acabou por acentuar o quadro de desconforto existente entre a tutela e a gestão. E, a 21 de Junho, Matos e Nascimento acabaram a renunciar às suas funções de presidentes, com efeitos a partir de 30 de Julho. Isto, ainda apesar de não estarem no exercício pleno dos seus mandatos e de o seu campo de acção estar restringido.
A renúncia dos dois presidentes da CGD pode ter levado o Ministro das Finanças, Mário Centeno, a convocar no dia 22 de Junho, uma hora e meia antes do jogo da selecção de futebol com a Hungria, uma conferência de imprensa onde nada acrescentou de relevante ao que já se sabia. O ministro apenas informou que Domingues entraria em funções durante Julho. E que o grupo iria sofrer um redimensionamento, tanto no número de efectivos como na presença internacional do banco, sem afectar o desenvolvimento das operações nos países de língua portuguesa. A iniciativa foi interpretada como uma medida de contenção de danos.
O vazio actualmente existente no topo da governação da Caixa pode estar à beira de ser resolvido. Até porque na qualidade de accionista único, o Estado tem poder para emitir quando entender uma deliberação unânime por escrito a nomear os novos órgãos sociais da CGD, sem a submeter previamente a uma assembleia-geral. Terá sempre de consultar a comissão encarregue de avaliar a nova administração do banco.
Governo de António Costa admite eliminar 2500 empregos na CGD
A administração, liderada por José Matos, enviou uma comunicação aos trabalhadores, em que dá por concluída a sua “jornada” ao serviço da CGD.
Serão menos 2500 postos de trabalho nos próximos três anos. As contas são do Governo de António Costa que ontem admitiu, em reunião com o sindicato dos trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos, que o corte de empregos pode atingir este valor até ao final de 2019. A informação foi avançada na reunião pelo secretário de Estado do Tesouro, Mourinho Félix.
Em comunicado, o sindicato diz que o secretário de Estado admitiu que “a redução prevista do número de trabalhadores será da ordem dos 2500” mas que a avaliação ainda vai ser feita pela nova administração, “prevendo-se a sua aplicação a partir de 2017 e ao longo de 3 anos”.
A tomada de posse da nova equipa de gestão, liderada por António Domingues, deverá entretanto ser acelerada, já que a administração (em gestão há meio ano) se cansou de esperar e apresentou a demissão ao ministro Mário Centeno no passado dia 21. De acordo com o jornal Público, a gestão liderada por José Matos enviou ontem uma comunicação aos trabalhadores, em que dá por concluída a sua “jornada” ao serviço da CGD.
“Foi garantido que não haverá despedimentos e que a redução passaria por reformas ou reformas antecipadas, sempre por acordo entre a CGD e o trabalhador”, acrescenta o sindicato, confirmando a informação já avançada pelo Executivo. Na altura, o ministro das Finanças admitiu o corte, mas não revelou quantos trabalhadores poderão sair, por ser uma matéria “altamente sensível”. O plano de reestruturação já está aprovado e visa “manter o atual nível de intervenção no mercado”, com menos balcões mas “um mais eficaz método de trabalho”.
Balcões fora de Portugal
A redução de balcões da Caixa irá ocorrer sobretudo no estrangeiro, “onde os interesses da CGD e dos seus clientes passariam a ser assegurados por um banco local através de acordo preferencial”, refere ainda o comunicado. “No entanto, a nível dos PALOP, o plano aposta num crescimento sustentável”.
O secretário de Estado do Tesouro disse também que “a entrada em funções da futura administração está pendente de uma nova obrigação da Comissão Europeia (a avaliação da idoneidade dos elementos propostos)” mas que essa validação estará para breve.
Mourinho Félix admitiu que “o Governo está também bastante preocupado com o desgaste da imagem da CGD, nomeadamente com o que se vier a passar na Comissão Parlamentar de Inquérito”, que arranca formalmente hoje às 17 horas.
TPT com: AFP//Lusa//Cátia Simões//JN// Cristina Ferreira/Manuel Carvalho//Público// 4 de Julho de 2016