Um elástico, um elevador, um motor e um carro são algumas das máquinas moleculares desenvolvidas por Jean-Pierre Sauvage, Fraser Stoddart e Bernard Feringa. Pensa-se que estas nanotecnologias vão ser tão importantes como é hoje o motor eléctrico.
As palavras podiam entrar numa conversa de oficina: motores, rotores, elevadores, chassis. Este léxico, cujo imaginário remonta ao início da revolução industrial, traz imagens de óleo, fumo, barulho e trabalho. Mas nesta quarta-feira o mundo associou-as a uma realidade completamente diferente, onde impera a escala dos átomos. O Prémio Nobel da Química de 2016 foi para os três cientistas que desenvolveram máquinas moleculares: o francês Jean-Pierre Sauvage, o escocês Fraser Stoddart e o holandês Bernard Feringa. Em menos de 20 anos, eles puseram moléculas a mexer e a trabalhar, com pouca energia.
Estas são as máquinas mais pequenas de sempre fabricadas pelo homem, mil vezes mais pequenas do que a espessura de um fio de cabelo. Onde irá parar o mundo movimentado (e fascinante) das máquinas moleculares? A Real Academia Sueca das Ciências, que atribui os Prémios Nobel, explica que estamos na alvorada de uma nova tecnologia. As próximas décadas trarão novidades, mas da informática à medicina, muitas áreas serão transformadas.
“Em termos de desenvolvimento, o motor molecular está no mesmo estado de desenvolvimento do que o motor eléctrico na década de 1830, quando os cientistas exibiam máquinas eléctricas capazes de mover pedais e rodas, mas não sabiam que essas máquinas se iriam tornar comboios, máquinas de lavar, ventoinhas”, lê-se no comunicado. “Estas máquinas moleculares podem vir a ser usadas no desenvolvimento de coisas como novos materiais, sensores e sistemas de armazenamento de energia.”
Por isso, “pela concepção e síntese de máquinas moleculares”, nas palavras do comité que atribuiu esta quarta-feira o Nobel, Jean-Pierre Sauvage (Universidade de Estrasburgo, em França), Fraser Stoddart (Universidade Northwestern em Evanston, nos Estados Unidos) e Bernard Feringa (Universidade de Groningen, na Holanda) irão dividir o prémio de oito milhões de coroas suecas (833 mil euros).
“Não soube o que dizer e fiquei um pouco chocado. Foi uma surpresa”, disse ao telefone Bernard Feringa, durante uma breve sessão de perguntas de jornalistas no anúncio do prémio, em Estocolmo, lembrando o que sentiu quando lhe deram a notícia. Bernard Feringa acredita que estas máquinas moleculares poderão vir a estar na origem de robôs (que viajarão até células cancerosas para administrarem medicamentos que as matem) ou de novos materiais (que recebem estímulos químicos para fazerem uma qualquer tarefa), entre muitas outras possibilidades.
Um avanço em três passos
“Para uma máquina ser capaz de executar uma tarefa tem de ser composta por partes que se movem umas em relação às outras”, explica-se no comunicado. Ao longo da evolução, a natureza já criou mecanismos moleculares que produzem movimento. Os flagelos das bactérias, com forma em espiral como os saca-rolhas, giram e permitem que elas se movam. No entanto, apesar de a ideia de máquinas microscópicas construídas pelo homem já ser antiga, o seu desenvolvimento a sério começou há menos de 35 anos.
Em 1983, Jean-Pierre Sauvage conseguiu ligar moléculas em forma de anel, formando uma “corrente” com elas. Nas décadas anteriores, outros químicos tinham conseguido fazer estas correntes moleculares, mas a muito custo e este ramo da química estava praticamente esgotado. Jean-Pierre Sauvage usou um truque com um ião de cobre para obter a estrutura dos elos que formam a corrente. Depois de os anéis estarem presos um ao outro com ajuda do ião, ele é removido. Com esta nova técnica, a produção destes elos moleculares subiu de 10% para 42%. “De repente, as correntes de moléculas eram mais do que uma mera curiosidade científica”, explica o comunicado.
Oito anos depois, Fraser Stoddart desenvolveu o rotaxano: uma estrutura de duas moléculas em que uma se parece com um pequeno eixo, com rodas na extremidade, e a outra com uma argola. A argola está presa ao eixo e é capaz de se movimentar, de uma forma que os cientistas conseguem controlar, entre as suas extremidades.
Finalmente, Bernard Feringa produziu em 1999 o primeiro motor molecular. O cientista construiu um rotor molecular, estrutura que se movimenta circularmente sob o seu próprio eixo, com ajuda da energia dos raios ultravioletas e um sistema de pás que permite que o movimento se faça num só sentido. A equipa de Feringa aperfeiçoou depois o sistema, transformando-o num motor capaz de fazer algo como 12 milhões de revoluções por segundo. Com estes motores, a equipa conseguiu rodar um cilindro de vidro 10.000 vezes maior do que os próprios motores.
Entretanto, já se produziram “carros” moleculares, elevadores moleculares, sistemas semelhantes aos músculos que se esticam e se contraem e um robô molecular capaz de ligar aminoácidos (os tijolos das proteínas). Já foi produzida uma malha de polímeros em cima de motores moleculares que são accionados quando expostos à luz, enrolando a malha. “Desta forma, a energia solar é armazenada nas moléculas e, se os cientistas descobrirem uma técnica para retirar esta energia [acumulada na malha de polímeros], poderá desenvolver-se um novo tipo de bateria”, adianta o comunicado.
Durante a conversa entre Bernard Feringa e os jornalistas, o cientista holandês explicou como nasceu o seu motor molecular: “Comecei por construir interruptores moleculares, que davam informação [no sistema binário] de zeros e uns. O objectivo era ter uma alternativa para armazenar informação.”
Mas rapidamente o cientista percebeu que tinha à sua frente um rotor molecular, capaz de criar movimento. “Quando se consegue controlar o movimento, então é possível pensar em todo o tipo de funções mecânicas, como caminhar e transportar coisas, e ter pequeníssimas máquinas”, disse. “Mas tudo começou a partir de interruptores, de uma ideia muito simples.” E assim nasceu um mundo novo de possibilidades.
TPT com: Reuters//Observador// Bernard Feringa//Jeroen Van Kooten//APF//11 de Outubro de 2016