O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) inicia esta quarta-feira, 17 de agosto, o seu VII Congresso Ordinário, que vai durar até sábado, dia 20. Nestes quatro dias, será discutido o futuro do partido cuja história recente se confunde com a de Angola e, mais importante, será abordado o tema da sucessão de José Eduardo dos Santos, líder do MPLA e Presidente de Angola desde 1979.
Em março, o homem a quem os seus defensores têm por hábito de chamar “o arquiteto da paz” anunciou que iria abdicar do poder em 2018. Pelo meio haverá eleições presidenciais, em 2017. E, claro, o congresso do MPLA, no qual o Comité Central será alargado dos atuais 311 membros para 363, num suposto esforço de renovação geracional. Ou seja, tudo razões para que este seja um congresso marcante, servindo de bússola para os próximos anos.
Porém, os analistas contactados pelo Observador deixam claro que não deverão sair surpresas desta reunião de quatro dias, durante a qual os 2 591 delegados vão eleger José Eduardo dos Santos como candidato do MPLA às eleições de 2017.
“Nada está em aberto”, diz ao Observador Ricardo Soares Oliveira, professor em Oxford e autor do livro “Magnífica e Miserável: Angola Desde a Guerra Civil” (Tinta da China, 2015). “Todas as decisões já foram previamente tomadas pelo Presidente. Não existe um caráter de deliberação. É antes um ritual, que tem um caráter quase operático. É uma grande coreografia que pretende demonstrar a coesão do partido”, acrescenta.
Ideia de renovação choca com nomeação de filhos de dos Santos
Na convocatória do VII Congresso, divulgada após reunião do Comité Central a 2 de julho, aquele órgão referiu que “apesar das mudanças geoestratégicas e geopolíticas operadas no Mundo, nos finais do século XX, o MPLA soube adaptar-se, sem nunca ter posto em causa os seus princípios e valores”. Isto, porque, garante, “a essência da força, da glória e das vitórias deste grandioso partido reside na sua constante capacidade de renovação”.
Está visto que a mensagem a passar será de renovação — uma ideia à partida sensata, tendo em conta o relativo clima de contestação a José Eduardo dos Santos dentro e fora do partido e, mais importante ainda, a crise financeira e económica de Angola devido à queda do preço do petróleo. Esta renovação terá a sua expressão mais concreta no aumento membros do Comité Central, de 311 membros para 363.
“Fala-se de um compromisso para trazer para a frente gente mais jovem”, admite Ricardo Soares Oliveira. “Mas isto tem de ser posto no quadro dos regimes da África subsaariana, que tenta fazer um teatro de circulação das elites ao qual chamam de renovação”, contrapõe. “Temos de ver quem são estes jovens, de quem são filhos, quem são sociologicamente e se representam novas ideias ou se vêm da fábrica do Presidente José Eduardo dos Santos.”
Uma “pista” dessa suposta renovação está no facto de, segundo afirmaram fontes do MPLA à Lusa, dois filhos de José Eduardo dos Santos fazerem parte dos nomes que deverão ser aprovados pelo partido.
Um deles é José Filomeno dos Santos (mais conhecido por “Zenú”), que aos 38 anos tem no currículo a fundação de Banco Kwanza Invest em 2008 e que em 2013 foi nomeado pelo pai para dirigir o Fundo Soberano de Angola, que tem em posse investimentos públicos na ordem dos 5 mil milhões de dólares. Também deverá ser nomeada Welwistchea dos Santos (conhecida por “Tchizé”), igualmente com 38 anos, e uma empresária e militante ativa do partido.
De fora, ficou Isabel dos Santos, a filha mais velha do Presidente José Eduardo dos Santos e a mulher mais rica de África. Em junho, foi diretamente nomeada pelo pai para ser presidente da administração da Sonangol, a empresa petrolífera estatal angolana. Atualmente, Angola é o maior produtor de petróleo de toda a África, com uma produção de 1,7 milhões de barris de crude por dia.
Aparentemente com os dias contados, depois de anunciar que vai deixar o poder em 2018, quando já tiver 76 anos, José Eduardo dos Santos parece estar a puxar cada vez mais para si e para os seus o controlo de setores vitais da economia angolana. “O que se passa é uma aceleração exponencial da captura da economia angolana porta parte da família de José Eduardo dos Santos e por amigos que lhe são próximos”, refere Ricardo Soares Oliveira. “Isto está a acontecer com particular força há um ano.” E é uma tendência para continuar: este mês, deverão estar concluídas as vendas de 53 indústrias na Zona Económica Especial Luanda-Bengo, gerida pela Sonangol, e ainda de um quarto da petrolífera. A gestão destas privatizações estarão a cargo da Sonangol e de três ministérios.
Mais do que política, a sucessão que José Eduardo dos Santos parece estar a preparar é económica e financeira. “Nas últimas décadas, José Eduardo dos Santos e a família construíram uma hegemonia que querem manter e que têm de proteger de forma claramente defensiva, por receio do que venha a seguir”, explica o académico de Oxford. “Depois de um Presidente que está há quase 40 anos no poder, quem vier a seguir já só tem migalhas para alimentar a sua estrutura. E essa pessoa, mais tarde ou mais cedo, não se vai virar contra o colonialismo, mas sim contra o legado do Presidente”, refere. “A culpabilização de José Eduardo dos Santos seria irresistível.”
Um das peças-chave desta procura de manutenção do poder é precisamente a nomeação de Isabel dos Santos para dirigir a Sonangol. Mas, para Ricardo Soares Oliveira, esta é uma faca de dois gumes. “É sinal de força mas também de fraqueza”, refere.
Por um lado, é força porque José Eduardo dos Santos nomeia a filha para a posição mais consequente da economia angolana e ninguém se opõe. Por outro, é fraqueza por demonstra que, quando se trata de questões absolutamente incontornáveis, ele sente-se cada vez mais sozinho e já não tem muitas pessoas à sua volta em quem confiar”, explica Ricardo Soares Oliveira.
O MPLA como uma “espécie de software de contabilidade”
Tudo isto passa-se enquanto Angola atravessa um período turbulento no que diz respeito à sua economia e às suas finanças. Em julho, o Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) de Angola admitiu que a taxa de inflação pode chegar aos 50% já este ano e que em junho já estava 30% acima face aos 12 meses anteriores. Longe vai 2008, em que as vendas de petróleo foram essenciais para que Angola atingisse um crescimento económico de 12,8% só naquele ano. Agora, o CEIC fala de um “período de desaceleração estrutural do crescimento” e refere que o PIB não deverá passar de uma taxa média anual “à volta dos 2 a 2,5%” até 2020. Foi este cenário que terá levado Angola a pedir assistência técnica ao FMI— voltando atrás num pedido de financiamento.
A queda do preço do petróleo, com o valor de um barril de crude a ficar aquém dos 40 dólares, é um dos fatores decisivos para a queda da economia angolana. E o MPLA sabe-o bem, como explica ao Observador o académico angolano Paulo Inglês, da Universidade de Munique, na Alemanha. “Ninguém está mais atento à subida e à descida do preço do petróleo do que a direção do MPLA”, diz numa entrevista por telefone. “Porque é do preço do petróleo que depende a forma como o poder é gerido pelo MPLA e por José Eduardo dos Santos.”
Por isso, diz que atualmente “MPLA é uma espécie de software de contabilidade”. “O MPLA passa a vida a fazer contas, agora. O MPLA usa prebendas para manter uma certa lealdade de quem mais convém. O problema é quando deixa de haver coisas para oferecer”, explica.
É assim, num constante jogo de cintura, que José Eduardo dos Santos parece gerir a sua sucessão à frente dos destinos de Angola. “A saída dele, se não for bem gerida, pode levar à rutura, por causa da crise económica que se vive”, diz Paulo Inglês. “Ainda falei com alguém na semana passada que me dizia que o Presidente podia deixar-se ficar enquanto o preço do petróleo não sobe, esperando que até 2018 as coisas melhorem”, aventa, para depois acrescentar: “Isto é tudo especulação, claro”.
O enigma da sucessão de José Eduardo dos Santos
A 11 março deste ano, José Eduardo dos Santos anunciou que se preparava para abandonar a política. O anúncio poderia ter sido claro, mas deixou de sê-lo quando o chefe de Estado angolano explicou que a sua retirada seria apenas em 2018. Assim, foi criada uma dúvida que até ao momento ainda não foi dissipada: como acontecerá esta renúncia ao poder e quais vão ser os seus timings? Ou, por outras palavras: será que José Eduardo do Santos se vai apresentar às eleições de 2017 e, depois da esperada vitória eleitoral, deixar o lugar vago e promover a subida do seu vice-Presidente já em 2018?
Para Paulo Inglês, este é o cenário mais provável. A vitória eleitoral em 2017 já nem é questão: “Ele vai ganhar, evidentemente”. Depois, promoverá o seu número e sairá de cena em 2018, caso cumpra a sua palavra. Afinal, em 2001, prometeu eleições dentro dos dois anos seguintes. “Teremos um ano e meio ou dois anos e meio para que o partido possa preparar o seu candidato para a batalha eleitoral e é claro que esse candidato desta vez não se chamará José Eduardo dos Santos”, disse. No final de contas, não houve eleições e José Eduardo dos Santos continuou no poder.
O anúncio de José Eduardo dos Santos surgiu num momento em que a contestação ao regime angolano atingiu maiores proporções, pouco tempo antes de os ativistas conhecidos 15+2, nos quais se inclui o rapperluso-angolano Luaty Beirão, serem condenados por preparação de golpe de Estado e associação de malfeitores. A detenção daqueles jovens, que formaram um grupo de leitura de um livro que debatia maneiras para derrubar pacificamente um regime autoritário, motivou algumas vigílias em Luanda e atraiu atenção internacional.
Na interpretação de Jon Schubert, investigador da Universidade Leipzig, na Alemanha, especialista em Angola, o anúncio de José Eduardo dos Santos pode ter sido uma maneira de desviar o foco dos 15+2. “Anunciar uma saída num momento de crise serviu para tirar pressão do partido e do Presidente, de maneira a diminuir as contestações”, explica ao Observador por telefone. “Queriam que as pessoas pensassem ‘ah, o velho vai deixar no próximo ano, mais vale acalmarmos um pouco’. Mas se ele sair mesmo, isso não vai mudar radicalmente o modo como a economia e a política são geridas.”
Quanto a potenciais sucessores, os analistas contactos pelo Observador preferem optar pela cautela. Mas uma coisa parece ser certa: será sempre um nome próximo de José Eduardo dos Santos.
Paulo Portas é convidado de honra no congresso do MPLA
Esta quarta-feira, quando arrancar o VII Congresso do MPLA, haverá certamente cadeiras reservadas, ostentando o nome de alguns dos nomes mais destacados da praça política portuguesa. Da direita à esquerda, são vários os partidos portugueses que vão estar representados em Luanda. Do PSD, vão estar dois vice-presidentes, Marco António Costa e Teresa Leal Coelho. Em nome do CDS, vai estar Luís Queiró, responsável pela pasta das relações internacionais dos centristas. Pela parte do PS, estará Carlos César e Ana Catarina Mendes, respetivamente presidente e secretária-geral-adjunta dos socialista. Por fim, o PCP vai enviar Rui Fernandes, membro da comissão política do comité eleitoral.
Mas há uma outra cara bem conhecida de Lisboa (e cada vez mais conhecida em Luanda, também) que estará em evidência naqueles quatro dias: o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-vice-primeiro-ministro Paulo Portas.
Enquanto figura incontornável do Governo liderado por Pedro Passos Coelho, Paulo Portas foi vital para uma aproximação entre Angola e Portugal. Carregou esta bandeira até ao fim. No congresso CDS, em março deste ano, que ficou marcado pela sua saída da liderança do partido, apelou “a todos, aos órgãos de soberania” para “evitar a tendência para a judicialização da relação entre Portugal e Angola”. “Esse seria um caminho sem retorno”, disse.
Agora, Paulo Portas é convidado de honra no VII Congresso do MPLA, conforme avançou o Diário de Notícias. Ao Observador, Ricardo Soares Oliveira fala de “uma trajetória insólita” do ex-ministro português. “Eu estava em Luanda quando Paulo Portas visitou pela primeira vez Angola como ministro dos Negócios Estrangeiros”, conta. “Nessa altura, um político do MPLA disse-me que a ‘malta foi buscar os recortes do Independente, aqui ninguém esquece nada.”
A aproximação dos partidos portugueses a Angola não é nova, explica o académico. “Nos anos 90 deu-se o grande rapprochement do PSD em relação a Angola e nos dois mandatos de António Guterres o PS fez o mesmo. Depois há o PCP, que temuma relação histórica com o MPLA”, diz. “Mas, até 2012, o CDS era um partido que ainda estava alheado desse compromisso pós-colonial. Em vez um processo que se delineou ao longo de décadas, temo suma reconversão muito rápida em que ele [Paulo Portas] chega em julho de 2012 como um inimigo do regime angolano e depressa fica um grande amigo.”
TPT com: AFP//Paulo Novais//EPA//Lusa//João de Almeida Dias//Observador// 16 de Agosto de 201