Suspeitas de favorecimento em contratos públicos, licenciamentos com suspeitas de promiscuidade entre negócios realizados por instituições públicas e privadas, ou ajustes diretos que favorecem sempre o mesmo grupo empresarial, são motivos de diversas denúncias que chegaram à TIAC – Transparência e Integridade, Associação Cívica. Só no último ano, em Portugal, esta organização não governamental recebeu 113 queixas de indícios de corrupção. Oito foram encaminhadas para o Ministério Público.
Favorecimento nas contratações, abusos de poder e de fundos públicos, suborno, conflitos de interesses e falta de transparência ou acesso à informação são as situações mais comuns.
Embora haja denúncias em órgãos nacionais, é do poder local que emanam mais indícios de crimes de corrupção.
“Foram encaminhadas por nós oito situações ao Ministério Público. Percebemos que havia suspeitas fundadas. Estamos a falar de contratos públicos ou licenciamentos em que há suspeitas de favorecimento ou suspeitas de promiscuidade entre entidades que fazem os negócios do lado público e os fornecedores do lado privado”, disse ao site da RTP João Batalha, diretor executivo da TIAC.
No entanto, as situações reportadas são difíceis de quantificar com rigor, dado que numa única denúncia surgem, na maior parte das vezes, suspeitas de diferentes irregularidades, eventualmente cometidas em paralelo.
Há suspeitas, segundo João Batalha, de favorecimento “em concursos de prestação de serviços em autarquias, por parte de funcionários contratados para esse efeito. Geralmente, estamos a falar de suspeitas no poder local, embora também tenha havido algumas denúncias a nível de órgãos nacionais”.
Favorecimento do mesmo grupo
De acordo com este responsável, há abuso de “ajustes diretos, favorecendo sempre as mesmas instituições, que são propriedade do mesmo grupo empresarial”.
Há ainda “dificuldades em acesso à informação, como por exemplo de um processo de licenciamento urbanístico ou industrial, até suspeitas de crimes de abuso, suspeitas de favorecimentos na contratação de bens ou serviços ou de relações demasiado promíscuas entre poder local e grupos empresariais locais, por exemplo”.
A RTP apurou que a maioria dos casos diz respeito a câmaras municipais, juntas de freguesia e empresas municipais. Sem nomear, por motivos de investigação, o diretor executivo da TIAC diz que ainda não chegou ao fim qualquer processo.
“Alguns estão a ser investigados, tentamos colaborar na medida do possível com a informação que temos, para que seja esclarecida a verdade”, frisou.
Situações reportadas
Relação do denunciante com o caso denunciado
- Vítima: 58
- Testemunha: 17
- Denunciante interno à organização denunciada: 8
- Desconhecida: 24
- Outra: 5
Encaminhamento dado
- Denunciante referenciado para a autoridade apropriada: 50
- Informação e aconselhamento de enquadramento prestados ao denunciante: 28
- Queixas em tramitação/verificação na Provedoria TIAC: 9
- Pedido de acesso a informação feito pela TIAC para recolher dados para a queixa: 2
- Queixa rejeitada por falta de fundamento: 3
- Outros: 13
Instituições envolvidas
- Instituição pública: 71
- Sector privado: 14
- Indivíduo: 10
- ONG: 5
- Partido político: 4
- Outros: 9
Área geográfica
- Municipal/Local: 77
- Regional (regiões autónomas, entidades multimunicipais, instituições – públicas ou privadas – de dimensão regional): 13
- Nacional: 10
- Internacional/Transnacional: 4
- Desconhecido: 9
Fonte: TIAC
Serviço Alerta Anticorrupção
A TIAC existe desde 2010 e há um ano criou o serviço Alerta Anticorrupção (disponível na internet), que permite aos cidadãos reportarem de forma confidencial suspeitas de corrupção de que tenham conhecimento.
João Batalha faz um balanço bastante positivo: “Atendemos ao longo deste ano mais de 100 pessoas com todo o tipo de reclamações e queixas sobre dificuldade em acesso à informação nalgumas instituições públicas, em que incentivámos as pessoas a enviar a queixa para as autoridades e, nalguns casos, enviámos nós próprios porque havia medo de represálias, pressões e perseguições por parte dos denunciantes, caso fosse identificado”.
A TIAC é uma organização não governamental que tem por missão combater a corrupção, sendo a representante em Portugal da rede global anti-corrupção Transparency International.
“Queremos uma sociedade com uma regulação eficaz dos sistemas e organizações, uma Justiça célere e eficiente, uma ética pública e um verdadeiro sentido de responsabilidade social por parte de todos os agentes económicos”, pode ler-se no site da instituição.
A TIAC quer dar voz aos cidadãos, “a navegar nos meandros meio labirínticos do sistema burocrático e dos sistema de justiça, sinalizar e monitorizar o desempenho dessas instituições, desde a partilha de informação e disponibilização de informação às pessoas, até ao seguimento da investigação por suspeitas de corrupção”.
TIAC lamenta sistema de proteção
João Batalha lamenta que em Portugal não haja um “sistema de proteção de denunciantes que seja minimamente eficaz e que dê garantias de proteção a quem tem coragem de dar o alarme. Os receios dos cidadãos em denunciar são, infelizmente, na maior parte das vezes, justificados. É protegendo os denunciantes que nós conseguimos recolher informação útil sobre as denúncias e é com essa informação que se conseguem fazer boas investigações e ter êxito no combate à corrupção”.
O responsável da TIAC considera ainda que o Ministério Público está “de facto empenhado em combater a grande corrupção”, como é o caso dos vistos gold, ou de José Sócrates.
No entanto, João Batalha refere que o Ministério Público continua a debater-se com um “enorme problema que é a falta de meios, dificuldade de acesso a perícias, cruzamento de informação, o que cria obstáculos à eficácia das investigações”.
Assinala-se esta quarta-feira o Dia Internacional contra a Corrupção. A data de 9 de dezembro foi escolhida por, neste mesmo dia, em 2003, ter sido assinada por mais de 100 países, na cidade mexicana de Mérida, a Convenção da ONU contra a corrupção.
A convenção pretende criminalizar a nível internacional a corrupção, assim como outros comportamentos que lhe estão associados, como o branqueamento de capitais ou a obstrução à justiça.
Programa contra corrupção
O Ministério Público elaborou também um programa para combater a corrupção que prevê a criação de um “Grupo Permanente contra a Corrupção”.
Foi publicado esta quarta-feira na página da internet desta instituição e está dividido em quatro eixos de intervenção: organização, prevenção, repressão e formação.
Este programa pretende que o Ministério Público seja dotado de uma “aplicação informática destinada à gestão e acompanhamento do inquérito, gestão da informação e produção de estatística uniforme e fiável”.
Sandra Salvado/RTP/9/12/2015