Alunos do ensino superior descontentes por terem bolsas de estudo em atraso

As bolsas atribuídas aos alunos do ensino superior que optaram por estudar numa instituição do interior do país ainda não foram pagas apesar de o ano letivo estar quase no fim, alertaram alunos e encarregados de educação.

 

 

Atribuídas pela primeira vez no passado ano letivo, as bolsas do “Programa + Superior” foram criadas para ajudar à fixação de estudantes no interior dando 1.500 euros aos alunos que escolhessem estudar numa das 13 instituições abrangidas pelo programa.

 

 

Este ano, foram selecionados 1.020 alunos que deveriam ter começado a receber no início do ano letivo uma verba mensal de 150 euros.

 

 

No entanto, “ainda ninguém recebeu nada”, alertou João Cardoso, presidente da Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Superior Politécnico (FNAEESP).

 

 

Filipa Rodrigues, aluna do 2.º ano do curso de Educação Básica do Instituto Politécnico de Santarém (IPS), é um desses casos.

 

 

No ano passado ficou colocada naquela instituição de ensino superior, candidatou-se ao programa e conseguiu uma das 75 bolsas atribuídas ao IPS. Este ano, foi novamente contemplada com esta ajuda financeira.

 

 

“Já no ano passado, o pagamento atrasou-se porque estavam à espera de fundos europeus e agora voltaram a atrasar-se. Estamos quase no finaldo segundo semestre e ainda nada. A Direção Geral de Ensino Superior (DGES) diz que estão à espera dos fundos europeus”, contou à Lusa o pai de Filipa Rodrigues, Carlos Melancia.

 

 

O atraso no pagamento da bolsa afeta o orçamento familiar, sublinhou Carlos Melancia, explicando que gastam 350 euros por mês com os estudos da filha e que, por isso, aquele apoio é uma grande ajuda.

 

 

“Mensalmente gastamos 350 euros para pagar as propinas (100 euros), residência (98 euros), alimentação e material. Estávamos a contar com a bolsa que se calhar só vai chegar no final do ano letivo, mas é no dia-a-dia que nos faz falta”, criticou.

 

 

A Lusa contactou o gabinete do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) mas não obteve resposta até ao momento.

 

 

João Cardoso garante que este atraso “é uma situação generalizada em todas as instituições de ensino superior” e alerta para as dificuldades que traz para a vida dos alunos e das famílias.

 

 

Além dos atrasos das bolsas do Programa + Superior, João Cardoso diz que também ainda não foram pagas as bolsas do Programa Retomar, criado em 2014 com o intuito de trazer de volta ao Ensino Superior jovens com menos de 30 anos que abandonaram os estudos.

 

 

Observador/Lusa/ 11 de Abril de 2016

 

 

 

 

António Guterres inicia em New York campanha para secretário-geral da ONU

António Guterres participa esta terça-feira num diálogo informal na Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, uma iniciativa organizada pela organização para tornar mais transparente o processo de escolha do seu próximo secretário-geral.

 

 

Esta é a primeira vez que a ONU abre as portas ao processo de seleção do novo secretário-geral, respondendo a pressões internas e externas para tornar o processo mais aberto ao escrutínio do público.

 

 

Oficialmente, o processo de escolha continuará o mesmo: numa reunião à porta fechada, o Conselho de Segurança aprovará um nome, tendo os cinco membros permanentes (Estados Unidos da América, Reino Unido, Rússia, França e China) direito a veto; esse nome será depois submetido para aprovação à Assembleia Geral.

 

 

A nova iniciativa, no entanto, dará oportunidade ao público de conhecer melhor os candidatos durante este evento em Nova Iorque, que durará três dias, e um segundo em Londres, que começa a 03 de junho, no Central Hall Westminster, onde o primeiro secretário-geral da ONU, Trygve Lie, foi escolhido.

 

 

O presidente da Assembleia Geral, Mogens Lykketoft, explicou numa carta que os candidatos terão de entregar documentos com as suas propostas, com um máximo de 2 mil palavras, e que cada um terá até 10 minutos para defender as suas posições. No final, vão responder a questões dos estados membros e, se houver tempo, de representantes da sociedade civil.

 

 

O diálogo com António Guterres acontece terça-feira, às 15:00 locais (20:00 de Lisboa). Durante a manhã, será ouvido Igor Luksic, ex-primeiro-ministro de Montenegro, e a diretora geral da Unesco, a búlgara Irina Bokova.

 

 

Na quarta-feira, participam o ex-Presidente da República da Eslovénia Danilo Türka, a ministra dos Negócios Estrangeiros e Assuntos Europeus croata, Vesna Pusíc, e a ex-ministra dos negócios estrangeiros e integração europeia da Moldávia Natalia Gherman.

 

 

No último dia, quinta-feira, participa a administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a neozelandesa Helen Clark, e o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Macedónia, e ex-presidente da Assembleia Geral da ONU, Srgjan Kerim.

 

 

O ex-conselheiro especial de Ban Ki-moon e analista da ONU Edward C. Luck disse à Lusa em fevereiro que António Guterres “estará, sem dúvida, entre os candidatos mais fortes” ao mais alto posto diplomático do mundo, mas que a sua candidatura terá de “remar contra a maré”.

 

 

Olhando para o grupo de candidatos, o especialista disse que “género e geografia não favorecem” António Guterres na eleição deste ano.

 

 

“Muitos membros expressaram a determinação de encontrar uma mulher altamente qualificada para o cargo, algo que seria inédito. Várias mulheres promissoras declararam a sua intenção ou aguardam nos bastidores”, explicou.

 

 

Luck explicou ainda que “um número de países, especialmente da Europa de Leste ou do mundo em desenvolvimento, parece sentir que este é o momento certo para a Europa de Leste ter o cargo.”

 

 

“Por isso, apesar de Guterres ser soberbamente qualificado para tornar-se o próximo secretário-geral, o seu caminho será contra a maré”, concluiu Edward C. Luck.

 

 

TPT com: Diário Digital / Lusa/ 11 de Abril de 2016

 

 

 

 

Portugueses descobrem como impedir parasita da malária de se desenvolver

Uma equipa de investigadores do Instituto de Medicina Molecular (iMM) descobriu um mecanismo através do qual o parasita da malária fica vulnerável à toxicidade do ferro presente no corpo humano, impedindo-o de se multiplicar.

 

 

A equipa do iMM Lisboa, liderada pela investigadora Maria Manuel Mota, que publica hoje o seu estudo na revista Nature Communications, descobriu um novo transportador de ferro que o parasita da malária tem, que se for bloqueado faz com que esse nutriente se torne letal, o que abre portas para o desenvolvimento de novos fármacos.

 

 

“O ferro é essencial à vida, mas também é extremamente tóxico. É o que acontece no nosso corpo, as células precisam de ferro e todos os organismos precisam de ferro, mas quando ele está em excesso causa danos muito muito graves, e o parasita da malária não é diferente disso: precisa de ferro mas se tiver em excesso morre”, explicou à Lusa a investigadora.

 

 

O que a investigação mostrou foi que este novo transportador é essencial ao parasita para que este consiga armazenar o ferro que está a mais e guardá-lo num sítio que não permite que se torne tóxico.

 

 

Esta descoberta é “muito importante”, porque em determinadas circunstâncias o parasita da malária pode estar em locais que tenham ferro em excesso, o que pode fazer com que seja letal ou muito grave para o parasita.

 

 

“O que nós mostramos é que se tivermos um parasita da malária que não tem este transportador – nós conseguimos fazer um parasita que não tem este transportador -, o que acontece é que este parasita não se consegue desenvolver bem”, disse Maria Mota.

 

 

Para esta investigação, a equipa de investigadores usou uma estirpe mutante de levedura, na qual a sequência para uma determinada proteína transportadora de ferro foi removida do DNA. Devido à incapacidade de produzir esta proteína transportadora de ferro, a estirpe de levedura mutante não conseguiu crescer na presença deste micronutriente.

 

 

Partindo desta experiência, os investigadores criaram parasitas de malária mutantes a que retiraram o gene da proteína em questão. Consequentemente, estes parasitas continham um teor de ferro elevado dentro dos glóbulos vermelhos, o que, devido à sua toxicidade, resultou num número reduzido de parasitas.

 

 

O impacto desta descoberta para o futuro é conseguir desenvolver fármacos que consigam inibir este transportador.

 

 

“Se bloquearmos este transportador, o parasita vai começar a acumular ferro, o que o torna tóxico, e não se vai conseguir desenvolver bem”, acrescentou.

 

 

Por outro lado há já fármacos que estão dependentes dos níveis de ferro.

 

 

Por isso, um dos estudos a serem desenvolvidos a seguir “é ver como a presença ou não deste transportador afeta a função e a eficiência desses fármacos”.

 

 

créditos: Nuno Noronha/EPA/RAJAT GUPTA/Sapo/Lusa/ 6 de Abril de 2016

 

 

 

 

Portugal já tem um dos aparelhos de TAC “mais potentes” do mundo

O Hospital Lusíadas Lisboa é o primeiro hospital do país a disponibilizar um aparelho inovador de TAC (tomografia computorizada) que permite um diagnóstico mais rápido e seguro de várias doenças. Este novo equipamento possibilita a realização de uma TAC em crianças sem necessidade de sedação e está adaptado a doentes com fibrilhação auricular, arritmias ou próteses. Para além de único em Portugal, este equipamento é o segundo na Península Ibérica (o primeiro está em Barcelona), e junta-se aos apenas 30 em toda a Europa.

 

 

O aparelho, de 640 cortes, utiliza uma dosagem e contraste inferiores quando comparado com os convencionais equipamentos e consegue, numa única rotação, captar uma imagem de 16 centímetros, possibilitando obter uma imagem de um órgão inteiro. Inclui ainda um software de quarta geração que reduz a dose de radiação, fazendo com que doentes com, por exemplo, stents possam também agora realizar este exame de diagnóstico.

 

 

A inovação do equipamento destaca-se na área pediátrica, uma vez que permite que as crianças realizem este exame sem recurso à sedação e movimento de mesa. A particularidade de obtenção de imagem em “one-shot” aumenta a rapidez do exame, melhora a qualidade da imagem e diminui a dose de radiação a que as crianças estavam anteriormente sujeitas.

 

 

Os doentes cardíacos são outro grupo que irá beneficiar do novo equipamento, uma vez que o exame faz o estudo completo do coração num único ciclo cardíaco em apenas 0,1375 segundos. Deste modo, os médicos vão poder avaliar possíveis alterações da anatomia e fisiologia do coração e as pessoas com um índice de cálcio coronário superior a 400, que antes não podiam realizar uma TAC para o estudo coronário, vão poder realizá-la.

 

 

Na área músculo-esquelética, o exame vai permitir a visualização do movimento e ajudar a detetar problemas que não são visíveis estaticamente, outra mais-valia que não se verificava com os equipamentos convencionais porque a cobertura anatómica do equipamento não o permitia. O aparelho subtrai também o osso/cálcio, permitindo uma visão melhorada dos vasos e ajudando a obter um diagnóstico mais rápido.

 

 

Também a neurologia vai ganhar com este equipamento com a possibilidade de se realizar um estudo completo do cérebro, que inclui arteriografia, venografia e perfusão, numa única rotação. Outra mais-valia estende-se aos estudos vasculares, uma vez que vai ser possível fazer uma Angio-TAC de corpo inteiro, ajudando no diagnóstico de doenças como a estenose aórtica, aneurismas da aorta abdominal e outras alterações nas artérias do corpo.

 

 

Este equipamento inovador está disponível no Hospital Lusíadas Lisboa. Para a realização de exames será necessária a prescrição do médico.

 

 

Nuno Noronha/Sapo/ 6 de Abril de 2016

 

 

 

 

Cronologia do julgamento de dezassete ativistas que agitou Angola

Uma sentença esperada. Ao fim de mais de quatro meses de julgamento, os 17 ativistas angolanos foram condenados por associação criminosa. As penas foram conhecidas esta segunda-feira e vão desde os dois anos e três meses a oito anos e seis meses de prisão, com Domingos da Cruz, considerado o líder do grupo, a enfrentar a pena mais pesada. O rapper luso-angolano Luaty Beirão foi condenado a cinco anos e seis meses de cadeia. Mas para muitas organizações de Direitos Humanos e especialistas em assuntos africanos, a história deste julgamento está longe do fim.

 

 

Começou a 20 de junho de 2015 a história de um processo que viria a colocar holofotes sobre o regime de José Eduardo dos Santos. A polícia angolana acabava de deter um grupo de jovens que alegadamente preparava atos de rebelião contra o regime de José Eduardo dos Santos.

 

Na base destas suspeitas, o livro de Domingos da Cruz que os jovens se propunham a ler e a discutir: “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola”. 

 

 
Luta pacífica, luta paciente

 

 
Publicada em vários capítulos, o académico angolano foi influenciado pelo filósofo norte-americano Gene Sharp e a sua aclamada obra “Da Ditadura Para a Democracia” (1993), que também viria a inspirar o movimento conhecido como Primavera Árabe. O livro de Domingos da Cruz adaptava as teorias e pensamento de Sharp à realidade angolana.

 

Na obra, Domingos da Cruz defendia o uso de “ações pacíficas” contra o totalitarismo. No manuscrito, publicano no ano passado pelo jornalista Rafael Marques e pelo portal Maka Angola, apela-se à via pacífica e “resistência civilizada” ao regime vigente. Um processo lento, onde se exigiria muita paciência e inteligência para destruir a ditadura paulatinamente. “Ao estilo de Mahatma Ghandi”, acrescenta o ativista, agora condenado a oito anos e seis meses de prisão.

 

“Pegar em armas levaria a ditadura a agradecer, na medida em que teria legitimidade tanto interna quanto externa para exterminar. (…) Usar armas demonstra que somos igualmente selvagens como o ditador e perderíamos autoridade moral e legitimidade democrática”, pode ler-se num ponto introdutório do texto.

 

O livro em causa, com 138 páginas, nunca chegou a ser editado. Era publicado em fascículos, à medida que o grupo de ativistas se ia reunindo para o discutir. Ao sétimo capítulo, onde é definida uma estratégia de planeamento para a luta democrática e resistência no longo prazo, os ativistas foram detidos.

 

Durante os quatro meses do julgamento, desde 16 de novembro do ano passado, “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola” seria lido na íntegra pelos juízes.

 

 
“Um dia greve de fome por cada ano de ditadura”

 

 
O caso só chegaria às bocas do mundo alguns meses depois. Detido em prisão preventiva desde junho, Luaty Beirão inicia a 21 de setembro uma greve de fome que dura até 27 de outubro.

 

Da primeira à última data vão 36 dias que deram dimensão ao caso e levaram os media internacionais até Luanda. Com o passar dos dias, o estado de saúde e condição de Luaty Beirão, músico e engenheiro informático de profissão, agravava-se. Temiam-se danos “irreversíveis” na saúde. O ativista chegou mesmo a prescindir de cuidados médicos caso entrasse em coma.

 

As primeiras notícias chegaram com especial impacto a Portugal. A ligação histórica entre os dois países, o passado colonial e o facto de se tratar de um luso-angolano acabaria por atear momentos de tensão entre os dois países. De um lado, os editoriais dos jornais portugueses, que apontavam o dedo ao regime repressivo de José Eduardo dos Santos. Os partidos, sobretudo PS e Bloco de Esquerda, exigiam mão pesada ao Executivo de Pedro Passos Coelho. Do outro, os editoriais do Jornal de Angola, que versava as intromissões dos media e do Governo português em assuntos de natureza interna.

 

José Marcos Barrica, embaixador de Angola em Portugal, chegou mesmo a comunicar o “desagrado” pela aprovação de um voto de solidariedade para com os 15 ativistas detidos ao Ministério português dos Negócios Estrangeiros. Estava instalado o conflito diplomático.

 

Mas a situação dos ativistas detidos em Luanda mobilizou o público e juntou centenas de pessoas em manifestações, em Lisboa.

 

Outros ativistas detidos seguiram os passos de Luaty Beirão e iniciaram também eles greves de fome contra as detenções, que consideravam “arbitrárias”. De relembrar que estes ativistas estavam detidos desde junho e nenhum tribunal tinha ordenado a prorrogação da prisão preventiva.

 

Com o ato de protesto, pretendiam mais atenção mediática e a marcação de uma data para o início do julgamento. De certa forma, alcançaram os dois objetivos da ação de protesto. Mas mesmo com início do julgamento já prometido, com data marcada entre 16 e 23 de novembro, Luaty prosseguiu com a greve de fome.

 

Só mesmo os apelos da família demoveram o ativista. A carta emocionada da mulher, Mónica Almeida, pedia a Luaty Beirão que terminasse a greve de fome pela filha de dois anos.

 

A 27 de outubro, o rapper faz publicar uma “Carta aos meus companheiros de prisão”, no jornal Rede Angola. Era o fim da greve de fome.

 

Na missiva enviada aos colegas, Luaty Beirão denuncia e expõe a situação dos 15 ativistas detidos: “Junho vai longe. Passámos muitos dias presos em solitárias, alguns sem comer, com muitas saudades de quem nos é próximo. Pelo caminho sentimos a solidariedade da maioria dos prisioneiros e funcionários. Tivemos apoio de família e amigos.”

 

Como o próprio sublinha, muita coisa mudou durante a greve de fome. Organizações, personalidades, instituições e anónimos exigiam a libertação dos jovens detidos.

 

“O Luaty, rebelde como sempre, terminou os 36 dias que significam também os 36 anos de poder do Presidente da República. É simbólico e é também uma declaração, uma prova de resistência do Luaty. Foi um dia de greve por cada ano no poder do Presidente José Eduardo dos Santos”, analisava o jornalista Rafael Marques no dia em que Luaty pôs fim ao protesto.

 

Opinião partilhada por José Eduardo Agualusa: “O objetivo a que se propunha não foi conseguido, que era o de esperar em liberdade pelo julgamento. Mas, na realidade, aquilo que mais importava, que era chamar a atenção para os presos políticos, foi conseguido completamente. Gerou-se um movimento de solidariedade dentro e fora do país, que gerou uma dimensão que ninguém estava à espera. Aí ele triunfou completamente”, frisava na altura o escritor angolano.

 

 
Julgamento atribulado 

 

 
O julgamento dos 17 ativistas começava a 16 de novembro de 2016, com forte presença dos media internacionais. A Angola interessava mostrar imparcialidade de um caso de justiça sem contornos políticos. Mas os quatro meses do processo ficaram marcados por vários episódios que levantaram suspeitas sobre os tribunais de Luanda.

 

Durante as várias sessões, os jovens acusados garantiram sempre que os encontros semanais eram organizados apenas com o objetivo de discutir política e não qualquer ação contra o Governo ou rebelião.

 

Os ativistas foram acusados de orquestrar um plano para destituir os órgãos de soberania e colocar no poder um “Governo de Salvação Nacional”. O Executivo imaginário a que o Tribunal se refere na sentença remete para um post no Facebook onde é discutido um Governo hipotético para Angola. Uma das poucas provas apresentadas pela acusação durante o julgamento.

 

A publicação na rede social partiu de Albano Pedro, advogado e professor de Direito na capital angolana. Surgem então várias sugestões para os orgãos de soberania. Para o juiz envolvido no processo, esta discussão seria um “complot para destituir e substituir por pessoas da conveniência do grupo”.

 

Dos 17 acusados, 15 aguardaram sentença em prisão preventiva até 18 de dezembro. As medidas de coação foram revistas e estes detidos, entre eles Luaty Beirão e Domingos da Cruz, passaram a aguardar decisão em prisão domiciliária.

 

Há ainda os casos de Manuel Chivonde, um estudante universitário de apenas 19 anos que foi condenado a seis meses de prisão efetiva por injúrias em tribunal, e ainda de Nuno Dala, um professor universitário que se recusou a comparecer no julgamento, que regressou também à prisão. Doente e alegando falta de tratamento médico na prisão, iniciou uma greve de fome a 10 de março, uma ação de protesto que já leva 19 dias e estará a agravar o seu débil estado de saúde.

 

O julgamento ficou também marcado pela decisão do juiz Januário Domingos, que ordenou a leitura integral da obra de Domingos da Cruz, na origem de todo o processo, durante dois dias. Nas ruas, à porta do tribunal onde decorreram as sessões, registaram-se vários protestos – a favor e contra os ativistas.

 

Os próprios ativistas assumiram o protagonismo. Apareciam descalços, com mensagens e frases de protesto escritas na roupa; chegaram a ser expulsos pelo juiz numa das sessões.

 

 

Uma decisão esperada 

 

 
Perante todos estes incidentes e posição assumida pela Justiça ao longo do julgamento, os ativistas mostravam-se preparados para qualquer decisão: “Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro, a gente conhece e sabe bem como funciona. Por mais argumentos que se esgrimam aqui e por mais que fique difícil de provar esta fantochada, se assim se decidir seremos condenados”, disse Luaty Beirão em declarações à Agência Lusa antes da leitura da sentença.

 

Condenados por “associação de malfeitores”, com pena adicional pela falsificação de documentos, os 17 homens e mulheres conheceram esta segunda-feira as penas a que são condenados pelo Tribunal Provincial de Luanda. Tal como havia sido pedido pelo Ministério Público, dada a ausência de provas, os arguidos foram todos absolvidos do crime de atos preparatórios para um atentado ao Presidente da República e ao Governo de Angola.

 

Nuno Dala, Sedrick de Carvalho, Nito Alves, Inocêncio de Brito, Laurinda Gouveia, Fernando António Tomás “Nicola”, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo, Arante Kivuvu, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Nelson Dibango, Hitler Jessy Chivonde e José Gomes Hata foram condenados a quatro anos e meio de prisão. Domingos da Cruz vai cumprir pena de oito anos e seis meses e Luaty Beirão cinco anos e seis meses. Todos os ativistas foram já encaminhados para a cadeia de Viana, segundo o jornal Rede Angola.

 

 


Processo longe de estar terminado

 

 
Para alguns, o processo está longe do fim. Tanto os advogados de defesa e como o Ministério Público angolano anunciaram já que vão recorrer da decisão.

 

José Gonçalves, especialista em política angolana e comentador da RDP África, acredita que a decisão conhecida hoje vai levar a várias manifestações e protestos.

 

 
Para José Gonçalves, esta sentença deixa uma imagem “repressiva” do Governo de Luanda, numa decisão que reprime e tenta silenciar uma força política que até era “insignificante”.

 

Várias organizações de Direitos Humanos deixaram a completa rejeição face à sentença. A Human Rights Watch fala de condenação “extremamente ridícula” e promete manter a pressão sobre o regime de Luanda.

 

Já a Amnistia Internacional em Portugal refere-se aos ativistas como “prisioneiros de consciência” num julgamento “de faz de conta”. A decisão anunciada esta segunda-feira foi alvo de um protesto nas ruas de Lisboa, onde os manifestantes exigiral a libertação dos angolanos agora condenados.

 

 
Reação do MNE português

 

 
O Ministério de Augusto Santos Silva reagiu ao fim da tarde à leitura da sentença, afirmando tomar “boa nota” da decisão comunicada pela defesa dos ativistas em interpor recurso judicial, perante a “gravidade e dimensão” das penas.

 

“Confiamos que a tramitação do processo, nos termos previstos na legislação angolana, obedeça aos princípios fundadores do Estado de Direito, incluindo o direito de oposição por meios pacíficos às autoridades constituídas”, disse o Ministério dos Negócios Estrangeiros numa nota enviada à Agência Lusa.

 

O MNE assegura ainda que “o Governo português acompanhou pelos canais diplomáticos adequados (…) o processo judicial conduzido, em Luanda, pelas autoridades competentes, relativamente às ações de 17 cidadãos angolanos, um dos quais detém também nacionalidade portuguesa”.

 

 

TPT com: Andreia Martins/RTP/João Relvas/Lusa/7 de Abril de 2016

 

 

 

 

Dois chefes da PJ e um cabo da GNR detidos por suspeitas de corrupção

Um inspector-chefe da Polícia Judiciária (PJ), um coordenador reformado da mesma polícia e um cabo da GNR foram detidos nesta terça-feira por suspeitas de corrupção, no âmbito de numa investigação da própria PJ, iniciada em 2013. Segundo o PÚBLICO apurou, os chefes da PJ terão recebido milhares de euros para travarem investigações, ignorarem suspeitas e passarem informações.

 

 

Os dois investigadores da PJ tinham um lugar privilegiado naquela polícia: o inspector-chefe Ricardo Macedo liderava há anos uma das três secções da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) e o colega, que se reformou há pelo menos três anos, esteve mais de 30 anos na PJ, tendo ocupado lugares de chefia durante muitos anos.

 

 

O militar da GNR seria o homem de mão de Ricardo Macedo, que teria um especial cuidado de não se expor directamente, para não levantar qualquer suspeita. A actuação do cabo neste caso não estará directamente relacionada com o cargo que exercia na GNR.

 

 

Além dos três polícias, a PJ deteve na megaoperação que ainda decorria esta terça-feira à noite mais 12 homens, por suspeitas de corrupção activa e passiva, branqueamento de capitais, associação criminosa e tráfico de estupefacientes.

 

 

Os elementos da PJ terão recebido, pelo menos nos dois últimos anos, milhares de euros de traficantes de droga. Pelo alegado suborno, terão travado investigações, ignorando suspeitas que não averiguavam e passado informações sobre investigações em curso. Além de elevadas quantias monetárias, os dois polícias terão também recebido outro tipo de vantagens patrimoniais, como casas.

 

 

Os restantes detidos serão traficantes ligados a diferentes redes, parte dos quais terão corrompido os três polícias, que trabalhariam em conjunto.

 

 

O inspector-chefe detido, Ricardo Macedo, trabalha há já vários anos na UNCTE, onde dirigia uma das três secções, ocupando um cargo que deveria estar entregue a um profissional de categoria superior, um coordenador de investigação criminal. Tal não sucedia, como acontece em muitas outras situações, devido à enorme falta de chefias que existe actualmente na PJ.

 

 

Já o colega, Dias Santos, um coordenador aposentado, também trabalhou na mesma unidade, mas, antes do início desta investigação, terá sido transferido para a Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo, de onde saiu para a reforma. Na PJ, a carreira de investigação criminal começa em inspector, segue para inspector-chefe, depois para coordenador de investigação criminal e termina em coordenador superior.

 

 

As casas do inspector-chefe, do coordenador reformado e do cabo da GNR foram revistadas esta terça-feira por colegas da PJ, que terão recolhido documentação importante para o decorrer da investigação. Os três terão sido transportados ao fim do dia para o Estabelecimento Prisional de Évora, uma cadeia que alberga suspeitos oriundos das polícias e com necessidades especiais em termos de segurança.

 

 

Antes disso, o coordenador Dias Santos teve oportunidade de falar com o seu advogado, Melo Alves, que apenas confirmou que o seu cliente iria dormir na cadeia de Évora. “Neste momento não quero fazer qualquer tipo de comentário”, afirmou o defensor ao PÚBLICO.

 

 

A investigação, que começou em 2013, foi conduzida pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, sob a direcção de dois procuradores do Departamento Central de Investigação e Acção Penal. O três polícias foram detidos no âmbito de uma megaoperação — à qual a PJ deu o nome Aquiles — que decorreu durante toda esta terça-feira.

 

 

“No âmbito de um inquérito em investigação no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), estão em curso várias diligências, designadamente buscas nas zonas de Lisboa e Porto, tendo sido emitidos mandados de detenção”, adiantou a Procuradoria-Geral da República, num comunicado emitido por volta da hora do almoço.

 

 

A operação desenrolou-se em todo o território nacional, mas incidiu principalmente nas zonas de Lisboa e Porto. Contou no terreno com 250 inspectores da PJ e incluiu a realização de cerca de 120 buscas domiciliárias e não domiciliárias. Na operação participaram inspectores de várias unidades daquela polícia, nomeadamente a UNCTE, onde trabalharam dois dos detidos.

 

 

No total foram detidos “15 homens, com idades entre os 39 e os 61 anos, suspeitos da autoria dos crimes de corrupção activa e corrupção passiva para acto ilícito, branqueamento de capitais e tráfico de estupefacientes”, refere a PJ em comunicado. Os detidos serão ouvidos esta quarta-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, pelo juiz Carlos Alexandre, que acompanhou as buscas e assinou os mandados de captura.

 

 

Contactada pelo PÚBLICO, a Direcção Nacional da Polícia Judiciária não comentou a detenção dos dois investigadores. Já depois das 22h, o PÚBLICO tentou obter, sem sucesso, uma reacção do porta-voz da GNR. Já o presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, Carlos Garcia, admitiu que a “notícia da detenção destes dois elementos” traz “alguma tristeza”. Porém, do “ponto de vista institucional, isto é a prova de que a PJ investiga todos, independentemente de serem ou não polícias. De qualquer forma, estas pessoas presumem-se inocentes. Vamos esperar pelo resultado”, acrescentou.

 

 

Não é a primeira vez que inspectores da PJ são suspeitos de corrupção, apesar de não haver memória de um caso tão grave como este. Em Janeiro, arrancou o julgamento do inspector da Polícia Judiciária de Setúbal acusado de envolvimento numa fraude fiscal de 6,6 milhões de euros relacionada a compra, em larga escala, no mercado português de objectos em ouro, que posteriormente seriam fundidos, transformados em barras e vendidos no estrangeiro. O inspector João de Sousa está acusado, entre outros crimes, por denegação de justiça e prevaricação, corrupção passiva, abuso de poder e violação de segredo de funcionário.

 

 

Inspectores da PJ protestam contra saída da Interpol e Europol

 

 

 

Os inspectores da Polícia Judiciária (PJ) prometem contestar a anunciada transferência dos gabinetes da Interpol e da Europol para a esfera da Secretaria Geral do Sistema de Segurança Interna.

 

 

Dizem que em nome do combate ao terrorismo, o Governo se prepara para politizar a investigação criminal. Na quinta-feira, vão realizar reuniões e concentrações de inspectores em todo o país.

 

Dois chefes da PJ e um cabo da GNR detidos por suspeitas de corrupção 2

É um primeiro sinal público do descontentamento com que a notícia foi recebida na Judiciária e não deverá ser o último.

 

Em causa está um comunicado de 28 de Março, no qual o gabinete do primeiro-ministro anuncia a decisão de criar um Ponto de Contacto Único Nacional para efeitos de cooperação internacional e que essa estrutura irá funcionar junto da Secretaria Geral do Sistema de Segurança Interna.

 

 

O presidente da Associação Sindical dos Funcionários da Judiciária, Carlos Garcia, acusa o Governo de politizar informação policial.

 

 

À procura da melhor forma de contestar este plano do Governo, o sindicato organiza esta quinta-feira reuniões em todo o país, que deverão incluir concentrações à porta de cada um dos serviços.

 

 

Daniel Rocha/Pedro Sales Dias e Mariana Oliveira/Público/Reuters/Celso Paiva Sol/ 6 de Março de 2016

 

 

 

 

Em Portugal mais de 5700 milhões de euros estão nas mãos de cinco juízes

Apenas cinco juízes, que integram as chamadas Equipas Extraordinárias de Juízes Tributários criadas em 2011 para resolverem o avolumar de conflitos fiscais com valor superior a um milhão de euros, tinham nas mãos em Junho passado processos no valor de mais de 5,7 mil milhões de euros, o que representa 3,3% do Produto Interno Bruto português em 2014. O valor sobe até aos 8,1 mil milhões (4,7% do PIB) se contabilizarmos as acções daquele tipo que estavam à espera de decisão já não nos tribunais de primeira instância, os únicos onde actuam as equipas especiais, mas nas instâncias superiores – dois tribunais centrais e ainda o Supremo Tribunal Administrativo.

 

 

No Verão passado estavam pendentes nos tribunais de primeira instância 882 processos tributários de valor superior a um milhão de euros, quase mais 14% que no final do primeiro semestre de 2014. Os números são do último relatório de balanço destas equipas, divulgado recentemente pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF). São menos processos do que os 1219 que existiam quando as equipas foram criadas, em Maio de 2011, mas mais que os 782 que ficaram pendentes em Dezembro desse ano, após o primeiro balanço do trabalho destas equipas, então compostas por sete juízes.

 

 

Numa primeira fase estas duas equipas – uma no Porto e outra em Lisboa – concentraram-se apenas em resolver grande parte dos processos que já estavam nos tribunais: a do Porto recebia as acções da sua área e as de Aveiro, Braga e Coimbra, enquanto a de Lisboa recebia, além das da sua zona, as de Almada, Leiria e Sintra. Os restantes oito tribunais de primeira instância na área tributária continuavam a resolver os seus casos de valor superior a um milhão, tendo o CSTAF determinado uma movimentação prioritária para estes processos na sequência dos compromissos internacionais assumidos pelo então Governo com a troika.

 

 

Contudo, em Dezembro de 2012, o conselho muda a distribuição deste tipo de acções. A partir daí as duas equipas passam a receber os processos de valor superior a um milhão de euros de todo o país. Como a sua capacidade de resposta tem sido um pouco inferior ao volume de processos entrados, as equipas acabaram por não conseguir diminuir as pendências, estando até a acumular serviço – uma realidade transversal a todos os tribunais administrativos e fiscais, a maior parte dos quais vive uma situação bastante mais dramática que estas equipas.

 

 

A juíza-secretária do CSTAF, Dora Lucas Neto, lamenta a falta de magistrados nesta jurisdição e diz que estes tribunais “estão a atingir o limite”. A crescente procura que sofreram nos últimos anos tem feito aumentar o congestionamento e o tempo de resposta. No final de 2014 havia quase 48 mil processos pendentes nos tribunais tributários (mais 8,6% do que em 2009) e pouco mais de 20 mil nos administrativos (mais 38% do que seis anos antes).

 

 

“A falta de juízes é flagrante em todas as instâncias”, nota Dora Lucas Neto. Num parecer enviado em Junho ao Parlamento a propósito de uma reforma nos estatutos destes tribunais, o conselho considerava “indispensável para resolução de pendências” alargar em mais 65 lugares os quadros destes tribunais, para além de preencher vagas em alguns tribunais onde, dada a falta de juízes, estão por ocupar.

 

 

A magistrada lembra que desde Setembro de 2013 que não entram novos magistrados para os tribunais administrativos e fiscais. Mesmo que abra um novo curso para este tipo de magistrados ainda em 2016, só em 2019 os formandos serão colocados nos tribunais como juízes de direito. “Os candidatos do último curso, com 40 vagas, aberto em 2014, só  vão chegar aos tribunais em Setembro deste ano, como  juízes-estagiários.  Só em 2017 passarão a juízes de direito”, exemplifica.

 

 

Dora Lucas Neto lembra que está prevista na lei a criação de gabinetes de apoio aos magistrados, com recurso a juristas da administração pública. “Poderia ser uma importante mais-valia na assessoria aos juízes desta jurisdição e uma medida que julgo apta a garantir maior eficiência do serviço”, defende.

 

 

Nos primeiros seis meses do ano passado, as duas equipas  extraordinárias dos tribunais fiscais proferiram 181 sentenças (mais 43 que no mesmo período de 2014), mas também receberam 198 novos casos (mais 28,5% que no primeiro semestre de 2014). Daí se explique que a 1 de Janeiro de 2015 estivessem pendentes processos com um valor global de mais de 5,4 mil milhões de euros e seis meses mais tarde o montante tenha crescido mais 266 milhões de euros. A 1 de Janeiro de 2013 aquele valor era inferior em mais de mil milhões, totalizando 4,6 mil milhões.

 

 

TPT com: Adriano Miranda/Mariana Oliveira/PUB/6 de Abril de 2016

 

 

 

 

Há prisioneiros angolanos que dependem da chuva para beber água e tomar banho

As condições de detenção do grupo de jovens condenados são vistas como reflexo das falhas do sistema prisional angolano. O Governo tem construído novas prisões, mas a sobrelotação está a piorar.

 

 

Sem água para beber ou para tomar banho, os detidos na cadeia de Calomboloca, a cerca de 100 quilómetros de Luanda, são obrigados a esperar que as visitas lhes tragam de beber. Lá dentro, o esquema é agarrar em garrafas de plástico vazias, cortá-las, virá-las ao contrário usando-as como funis para recolher a água da chuva.

 

 

Esta é descrição que Mónica Almeida, mulher do rapper Luaty Beirão, ouviu do marido. Luaty Beirão foi condenado, na segunda-feira, com outros 16 activistas pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. A defesa, que interpôs recurso, fez um pedido de habeas corpuspara que os reclusos aguardem a decisão em liberdade.

 

 

No sábado, Mónica Almeida foi visitar o marido a Calamboloca, uma prisão construída recentemente na periferia de Luanda, e demorou mais de duas horas e meia a chegar, disse ao PÚBLICO por telefone este domingo. Com esta distância, as visitas regulares para o simples acto de fornecimento de bens alimentares básicos aos reclusos tornam-se inviáveis, diz. O direito dos reclusos a fazerem ligações telefónicas aos familiares também não está a ser cumprido: ou se desloca à cadeia, ou Mónica Almeida não consegue falar com Luaty. “Fizemos a visita no parlatório, totalmente escuro”, queixa-se. “Não nos conseguíamos ver um ao outro”, contou.

 

 

Na cadeia tudo depende da boa vontade de quem está de serviço, continua. São obrigados a comprar a água na cantina da cadeia para dar aos reclusos, ao dobro do preço no mercado (por volta de 1,8 euros), embora no sábado a tenham deixado ir comprar fora, pois a cantina estava fechada nesse dia.

 

 

Jornais não entram

 

 

Luaty Beirão foi colocado na ala dos criminosos assassinos, até quinta-feira, disse Mónica Almeida. Depois seria transferido para a ala dos crimes financeiros: as horas das visitas mudaram e ninguém avisou a família. Também não deixam entrar mais nenhum jornal nem revista além do Jornal de Angola. Livros são censurados, queixa-se ainda.

 

 

Mas há quem recorra, em desespero, à água da sanita, como relatou o tenente das Forças Armadas Angolanas Osvaldo Caholo, que ameaçou suicidar-se na prisão se as condições básicas não forem asseguradas. Os 17 activistas foram distribuídos por diversas cadeias. Pelo menos Osvaldo Caholo, Luaty Beirão, Afonso Mbanza Hanza estão na mesma cadeia e Mónica Almeida acredita que na mesma cela. Já Osvaldo Caholo se queixava na carta, e Luaty Beirão confirmou à mulher, que as refeições são dadas muito tardiamente: pequeno-almoço à hora de almoço, almoço à hora de lanche e jantar à hora da ceia. Os reclusos ficam horas em jejum, contou. E sem apanhar Sol.

 

 

Prisões sobrelotadas

 

 

 

Apesar de não ter visitado a cadeia de Calomboloca, relatos deste género não são estranhos a Lúcia da Silveira, presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia, uma organização que desde 2000 se tem concentrado na denúncia das falhas do sistema penitenciário angolano. Ao PÚBLICO, recorda um trabalho que fez junto de presidiários da Cadeia de Viana, no ano passado. “Os detidos encontravam-se em situação lamentável, o cheiro que emanava enquanto conversávamos com eles denotava que não estavam a ter a possibilidade de fazer a higiene normal”, diz-nos em conversa telefónica a partir de Luanda.

 

Prisioneiros angolanos dependem da chuva para beber água e tomar banho 2

A sobrelotação das prisões angolanas é o grande problema, diz a especialista. Na última década, a população prisional tem crescido sem cessar, tendo passado de cerca de 4000 em 2001 para mais de 21 mil em 2013. Nesse ano, a taxa de ocupação era superior a 166% e Silveira garante que este valor é hoje seguramente mais elevado (em Portugal, por exemplo, esta taxa é de quase 112%, segundo o World Prison Brief, um think tank especializado em prisões).

 

 

Em prisões sobrelotadas, os motins tornaram-se comuns. Em 2007, um motim na Cadeia Central de Luanda provocou três dezenas de mortos. O siteMaka Angola, gerido pelo jornalista e activista Rafael Marques, referia que em 2013 houve sete episódios de violência nos estabelecimentos prisionais. O próprio Governo reconheceu este problema e, nos últimos anos, construiu mais de uma dezena de novas prisões, incluindo a de Calomboloca, inaugurada há menos de três anos.

 

 

Esta não é, contudo, a solução adequada para o problema da sobrelotação, defende Lúcia da Silveira. “Podem construir-se mil cadeias” que a questão vai manter-se e até piorar, prevê. A origem da sobrelotação está no sistema judicial e na lentidão das decisões dos tribunais, especialmente para lidar com casos de pequeno crime. “O nível de criminalidade em Luanda tem crescido, e a maior parte tem motivação económica – pessoas que roubam para comer. Se não existe uma alternativa para estes crimes, obviamente que é preciso prender”, explica.

 

 

Diferença de condições

 

 

Mas relatos de maus tratos por parte dos agentes penitenciários ou de intimidação dos visitantes de detidos pouco têm a ver com questões de sobrelotação. Lúcia da Silveira reconhece que há problemas com a conduta dos funcionários das prisões, mas prefere realçar o trabalho que a sua associação tem feito para melhorar a situação. “Temos trabalhado com os serviços penitenciários para formar e informar os funcionários sobre os direitos humanos, as leis fundamentais, a lei penitenciária.”

 

 

A experiência que tem de anos de estudo e de visitas a várias prisões angolanas permite-lhe verificar que existe uma diferença nas condições que são suportadas por presos de cariz político e os restantes. “Todos os presos referem os mesmos problemas, mas as dificuldades por que passaram tiveram muito a ver com a origem do caso em si”, explica-nos, apesar de preferir não se pronunciar, para já, relativamente ao caso dos 17 activistas.

 

 

Entre os estabelecimentos que conhece pessoalmente, Lúcia da Silveira destaca a Cadeia Central de Luanda – onde estão presos seis dos activistas condenados – como “uma das piores que existem em Angola”. Até o actual ministro da Justiça, Rui Mangueira, chegou a dizer “que era necessário desactivar essa cadeia”, lembra.

 

 

Joana Gorjão Henriques e João Ruela Ribeiro/Público/ 4 de Março de 2016

 

 

 

 

Escândalo de corrupção envolve chefes de Estado, políticos, futebolistas e criminosos

A fuga de documentação revelada hoje pôs a descoberto os bens de 140 responsáveis políticos e personalidades em paraísos fiscais.

 

 

O Presidente da Argentina, o futebolista Lionel Messi e o cineasta espanhol Pedro Almodóvar figuram na lista comprometedora de personalidades divulgada hoje na sequência de uma fuga de informação envolvendo a empresa de advogados panamiana Mossack Fonseca.

 

 

A lista, que inclui 72 chefes ou ex-chefes de Estado, foi divulgada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, que agrega mais de cem meios de comunicação.

 

 

A série de nomes – já conhecida como “Os documentos de Panamá” – inclui o rei da Arábia Saudita, elementos próximos do Presidente russo Vladimir Putin, o presidente da UEFA, Michel Platini, a irmã do rei Juan Carlos e tia do rei Felipe VI de Espanha, Pilar de Borbón e o pai de David Cameron.

 

 

A Mossack Fonseca, especialista na gestão de capitais e patrimónios, negou à agência espanhola Efe qualquer vinculação a delitos que possam ter cometido centenas de milhares de clientes, de acordo com informações tornadas hoje públicas.

 

 

Ramón Fonseca Mora, sócio da empresa, disse que a companhia tem 40 anos de atividade legal e que criou 240 mil estruturas jurídicas, sem ter sido acusada ou condenada por qualquer crime.

 

 

Segundo a imprensa, a empresa comunicou aos seus clientes que foi alvo de um ataque informático e que os seus dados poderão ter sido afetados.

 

 

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação precisa, na sua página na internet, que mais de 240 mil entidades “offshore” aparecem, em 11,5 milhões de documentos, ligadas a mais de 200 países e territórios.

 

 

Pessoas ligadas ao Presidente russo, Vladimir Putin, por exemplo, terão desviado mais de dois mil milhões de dólares (mais de 1.750 milhões de euros) com a ajuda de bancos e sociedades fictícias, relata a imprensa.

 

 

Dos documentos revelados constam informações sobre 214 488 offshores relacionadas com pessoas em mais de 200 países. São documentos de uma das empresas mais secretas do mundo que revelam como a Mossack Fonseca tem ajudado os seus clientes na lavagem de dinheiro, em contornar sanções e na evasão fiscal, segundo afirma o The Guardian.

 

 

Há ficheiros sobre empresas offshore “controladas pelos primeiros-ministros da Islândia e do Paquistão, o rei da Arábia Saudita e os filhos do presidente do Azerbeijão”, segundo revela o Expresso que faz parte do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação e do jornal alemão “Suddeutsche Zeitung”  que revelam hoje parte da extensa documentação.

 

Escândalo de corrupção envolve chefes de Estado, políticos, futebolistas e criminosos 2

Da lista até agora revelada consta o nome de um português: Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira. O empresário deteve 14 empresas com sede nas Ilhas Virgens Britânicas – nas áreas dos minérios, gás natural e exploração de petróleo. A venda dos direitos de exploração de um campo de petróleo, no Benim, à Petrobas acabou por envolver o empresário no caso Lava-Jato. Idalécio de Castro Rodrigues de Oliveira detinha – em nome da empresa Lusitania Petroleum- várias licenças de exploração petrolífera em África.

 

 

Empresas fictícias criadas por grandes bancos são referidas 15 600. UBS e HSBC são dois dos 500 bancos identificados na investigação.

 

 

Há menção, por exemplo, a offshores ligadas a familiares do presidente chinês, ao presidente ucraniano Petro Poroshenko, a pessoas próximas do presidente russo, ao primeiro-ministro da Islândia, a 29 multimilionários da lista da Forbes, ao presidente da Argentina, ao ator Jackie Chan e a Lionel Messi.

 

 

O caso russo, que envolve os mais próximos de Putin, é assim explicado pelo The Guardian. O jornal inglês avança que os documentos mostram como aplicações financeiras de membros do círculo fechado do Presidente russo Vladimir Putin os tornaram “fabulosamente ricos”.

 

 

O Presidente russo não aparece em nenhum dos registos, mas os dados revelam um padrão: os seus amigos, Yuri Kovalchuk e Sergei Roldugin ganharam milhões em negócios, que aparentemente não poderiam ter sido efetuados sem o seu patrocínio.

 

 

Os ficheiros com informações de 1977 até finais do ano passado, contêm dados nunca revelados de casos, como por exemplo, o escândalo de subornos na FIFA.

 

 

Os “Panama Papers” – assim se chama a investigação – é uma das maiores fugas de informação de sempre. Ultrapassa o famoso WikiLeaks de Edward Snowden.

A lista completa das empresas e nome envolvidos será divulgada em maio.

 

 

AEP/DN/Reuters/ 3 de Março de 2016

 

 

 

 

 

 

Pedro Passos Coelho foi reeleito líder do PSD com 95% dos votos

Passos Coelho foi eleito presidente do PSD, esta sexta-feira, na abertura do 36º congresso do partido em Espinho, com 95% dos votos.

 

 

Antes da eleição, o líder dos sociais democratas discursou e considerou que a maioria PS, PCP e BE tem-se vindo a revelar “uma maioria consistente”, evoluindo para uma “maioria positiva”.

 

 

Apesar das arestas que ainda não estão limadas, esta maioria tem vindo a ganhar consistência, devemos reconhecê-lo – o PCP, o BE e o PS podem aos olhos de muitos constituir uma maioria um pouco estranha, mas não há duvida que se tem vindo a revelar uma maioria consistente”

 

 

Depois de em novembro ter considerado a formação do executivo do PS “uma fraude eleitoral e um golpe político”, Passos Coelho garantiu hoje não se sentir hoje “incomodado” por estar na oposição e de lidar com um executivo que tem “a legitimidade do parlamento”.

 

 

Se a maioria que nos impediu de governar era nessa aceção uma maioria negativa, a atual maioria evoluiu no entanto para uma maioria positiva, essa maioria sustenta o Governo, identifica-se com o Governo”

 

 

E, continuou, apesar de ainda não estar “totalmente afinada”, é já, pelo menos, “suficientemente consistente” para o primeiro-ministro dizer que o Governo não precisa dos votos, nem do apoio do PSD.

 

 

Este governo tem, portanto, não só consistência no parlamento, como tem uma maioria com identidade. Podemos exercer o nosso mandato sabendo que não é de nós que depende a estabilidade política, nem o sucesso governativo. Ainda bem que é assim, porque nós não nos revemos neste Governo, nesta maioria, nem nas suas políticas”

 

 

Numa longa intervenção, que se prolongou por mais de uma hora, o líder do PSD não deixou, contudo, de deixar críticas ao executivo, insistindo nos ataques à política socialista de “desfazer e reverter” e à “arrogância” e “soberba” do primeiro-ministro demonstrada no envolvimento em negociações privadas a propósito do “genérico interesse relacionado com a estabilidade financeira”.

 

 

“Penso que era melhor que arrepiasse caminho”, reiterou, numa referência à intervenção de António Costa nas negociações entre a empresária angolana Isabel dos Santos e a banca portuguesa.

 

 

Falando perante uma sala quase cheia de um pavilhão desportivo de Espinho, no distrito de Aveiro, o líder do PSD voltou também a falar da necessidade de preservar os portugueses de “riscos que são desnecessários”, recusando o modelo do estímulo ao consumo e ao endividamento externo e defendendo uma estratégia económica que privilegie a poupança e investimento reprodutivo.

 

 

Passos defende reforma do sistema eleitoral

 

 

O líder do PSD apontou hoje a reforma da Segurança Social e do sistema eleitoral como prioridades, considerando que agora que não há “eleições à vista” é tempo de repensar a forma como os deputados são escolhidos.

 

Pedro Passos Coelho reeleito líder do PSD com 95% dos votos 2

Recuperando uma proposta já antiga dos sociais-democratas, o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, aproveitou o discurso inicial do 36.º congresso do partido para desafiar os socialistas a discutirem uma ideia à qual aderiram no passado, no sentido de reduzir o número dos deputados e alterar a forma como são escolhidos e eleitos.

 

 

“Se já no passado os socialistas concordaram com ele, talvez agora que não temos eleições à vista, é muito importante sublinhar isto (…) não temos eleições à vista – e eu espero que não tenhamos tão cedo. Este é, portanto, o momento certo, uma vez que não há eleições à vista, para discutirmos as alterações ao sistema eleitoral”, defendeu.

 

 

Se a DBRS baixar “rating” de Portugal, terá de haver novo resgate

 

 

Passos Coelho considera que a manutenção da única notação de crédito em nível de investimento, da DBRS, é essencial para evitar um novo resgate. Mas o PS parece estar a fazer tudo para que o “rating” baixe, lamenta.

 

 

Passos Coelho deixou um apelo ao Governo para que deixe de “desafiar” os alertas e opiniões das agências de rating, em especial da DBRS, a única agência que dá uma notação de investimento à dívida portuguesa. O presidente do PSD lembrou uma entrevista recente de um dos responsáveis da agência para avisar que as reversões do Governo podem levar o “rating” a baixar. E se isso acontecer, Portugal “dificilmente escapará a um novo pedido de ajuda externa”.

 

 

Passos citou várias passagens da entrevista que Fergus McCormick, responsável máximo pelos ratings soberanos da DBRS, concedeu ao Observador esta semana. Em concreto, a parte em que o responsável sublinhou que Portugal tem um “grau de estabilidade” que “justifica um rating de qualidade” por causa do “enorme ajustamento do saldo orçamental” atingido desde a crise. McCormick diz ainda que o rating se mantém “por causa das várias medidas de carácter estrutural que foram aplicadas” ou da “recuperação significativa nas exportações”.

 

Pedro Passos Coelho reeleito líder do PSD com 95% dos votos 3

Para Passos Coelho, é importante “reter que esta agência faz depender a qualificação da dívida portuguesa do esforço de consolidação e do esforço reformista”. Sucede que “o Governo tem decidido adoptar uma postura exactamente desafiadora destes alertas e destas opiniões. E tem adoptado uma política que só pode aumentar os riscos a que os portugueses podem ser expostos, ao reverter reformas estruturais do passado que justificaram esta qualificação” e “muito daquilo que representa a nossa esperança para podermos ser ainda mais ambiciosos no futuro”.

 

 

“O actual Governo e a actual maioria não se importam de impor riscos que julgo que são desnecessários aos portugueses, e vão construindo um mau exemplo para a sociedade. Não pode ser bom Governo o que assume como principal prioridade reverter o que de estrutural foi feito pelo anterior” Executivo, criticou. “Chamar a isto progresso ou desenvolvimento é uma mistificação”, disse ainda Passos Coelho.

 

 

“Se todos adoptássemos uma atitude idêntica, nunca estaríamos a olhar para o futuro, estaríamos sempre a regressar ao passado”, atirou, numa crítica apontada a António Costa.

 

 

Sem rating de investimento, BCE deixa de aceitar dívida como colateral

 

 

A DBRS atribui a Portugal uma notação BBB, de nível de investimento e apenas um degrau acima de “lixo”. É essencial que exista pelo menos uma notação de nível de investimento para que o BCE aceite a dívida portuguesa como colateral dos empréstimos que concede aos bancos. Sem possibilidade de utilizar os títulos de dívida como colateral, os bancos teriam de encontrar um activo alternativo, algo que seria impossível sem nenhuma intervenção pública.

 

 

Acresce que, sem um rating de investimento, o BCE também poderia suspender a compra de dívida pública portuguesa. A notação da DBRS vai ser revista a 29 de Abril.

 

 

Todas as outras agências de rating (Fitch, Standard&Poor’s e Moody’s) atribuem à dívida portuguesa um rating de “lixo”.

 

 

Redução no “rating” da DBRS terá “graves repercussões”

 

 

O FMI alerta que um corte do “rating” de Portugal pela DBRS é ainda um risco no curto prazo e que, a acontecer, terá consequências graves. Este receio levou, no início do ano, os investidores a torcerem o nariz à dívida nacional.

 

Pedro Passos Coelho reeleito líder do PSD com 95% dos votos 4

A turbulência política, vivida desde as eleições até à aprovação do Orçamento do Estado para 2016 pela Comissão Europeia, fez soar os alarmes nos mercados. O risco identificado era que a dívida portuguesa pudesse perder a única notação de investimento que detém actualmente, graças à DBRS. Agora, o Fundo Monetário Internacional relembra que esse é um risco pendente e aponta que, a acontecer, terá “graves repercussões” no país.

 

 

“Uma revisão em baixa da única classificação de investimento de Portugal constitui um risco de curto prazo com enormes consequências potenciais”, relembra a instituição liderada por Christine Lagarde, no relatório do terceiro processo de monitorização após a conclusão do programa de ajustamento. O FMI acrescenta que a inclusão da dívida portuguesa nas compras do BCE está dependente desta condição, actualmente garantida pelo “rating” da DBRS, que tem revisão agendada para 29 de Abril.

 

 

Mas os riscos para Portugal são ainda maiores. “A perda do estatuto de classificação de investimento terá graves repercussões, além dos efeitos primários no sentimento dos investidores”, escreve a instituição no documento divulgado esta sexta-feira, 1 de Abril. O FMI defende que “a base de investidores para as obrigações soberanas iria encolher, com alguns investidores institucionais estrangeiros a serem, potencialmente, obrigados a reduzir a detenção de dívida portuguesa”.

 

 

A acontecer, esta venda generalizada de obrigações nacionais levaria a uma pressão no preço dos títulos e, inversamente, a uma subida acentuada das taxas de juro. A instituição liderada por Christine Lagarde nota ainda que, “sem uma mudança política pelo BCE, as compras de dívida [portuguesa] teriam de ser interrompidas” e acrescenta que “os bancos enfrentariam o impacto da revisão em baixa [do ‘rating’] nas suas reservas de colaterais”, exigidas pelo banco central.

 

 

“Tal como foi destacado pelas recentes subidas dos juros das obrigações, as contínuas operações de refinanciamento de Portugal continuam muito vulneráveis às mudanças no sentimento do mercado”, nota ainda o FMI. Por isso, aconselha a instituição, “manter uma saudável almofada de liquidez e identificar a actuação exacta para que esta seja utilizada, caso haja um desempenho orçamental abaixo do previsto, ajudaria a reforçar a credibilidade e acalmaria os mercados”.

 

 

Governo diz que previsões do FMI não reflectem “desenvolvimentos” desde Janeiro

 

 

O Ministério das Finanças argumenta que as previsões para a economia, conhecidas esta sexta-feira, 1 de Abril, não levam em conta a execução orçamental “rigorosa”, a colocação “bem sucedida” de dívida e a melhoria da confiança.

 

Pedro Passos Coelho reeleito líder do PSD com 95% dos votos 5

O Governo considerou esta sexta-feira, 1 de Abril, que as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia portuguesa (no âmbito da terceira avaliação pós-programa) que apontam para menor crescimento económico e maior défice orçamental que o esperado pelo Executivo, “não encontram apoio nos desenvolvimentos verificados desde Janeiro”.

 

Num comunicado enviado pelo Ministério das Finanças às redacções, o Executivo sublinha que o FMI não terá levado em conta na sua análise circunstâncias como a “rigorosa” execução do Orçamento do Estado em Janeiro e Fevereiro, as idas “bem-sucedidas” aos mercados nos primeiros meses do actual Governo, bem como os dados da confiança das famílias e das empresas revelados recentemente.

 

 

No relatório, o FMI diz estimar um défice orçamental no final do ano de 2,9% caso o Governo português não apresente novas medidas de controlo orçamental. Um valor que fica sete décimas de ponto percentual acima do previsto pelo Executivo de António Costa (2,2%).

 

 

Já a estimativa para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) fica em 1,4% (repetindo a previsão de Fevereiro), que compara com os 1,8% estimados pelo Governo socialista para este ano e é mais pessimista que os 1,5% de evolução estimada pelo Banco de Portugal.

 

 

O Executivo diz ainda tomar “nota” da análise que o FMI faz do incumprimento das metas orçamentais de 2015, contrapondo que o programa da troika deixou por resolver “algumas das deficiências estruturais” identificadas pelo Fundo na economia. E acena com o programa nacional de reformas, apresentado esta semana, como forma de “ultrapassar estes constrangimentos”, aumentar a competitividade e ao mesmo tempo manter a coesão social.

 

 

“O Governo reafirma o seu empenho para alcançar as metas traçadas, através da ececução rigorosa do Orçamento do Estado para 2016 e trabalhará, de forma franca e aberta, com o FMI”, refere o comunicado.
A terceira missão de monitorização pós-programa do FMI decorreu entre 27 de Janeiro e 3 de Fevereiro e os dados são conhecidos agora, 58 dias depois do fim da avaliação. A quarta vinda a Portugal da missão do FMI para analisar as evoluções depois da intervenção da troika está marcada, segundo o Ministério das Finanças, para Junho.

 

 

Paulo Zacarias Gomes/Bruno Simão/André Tanque Jesus/Bruno Simões/Jornal de Negócios/Observador/2 de Abril de 2016